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Escândalo do INSS mostra que o governo do PT não aprendeu nada com o passado

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Velhas práticas, antigos aliados e a omissão costumeira semearam a explosiva crise, que transita entre a política e a polícia

O presidente Lula tem experiência de sobra com escândalos de corrupção. Em seu primeiro mandato, lidou com o mensalão, que consistia na compra de apoio parlamentar com recursos desviados dos cofres públicos, o que quase lhe rendeu um processo de impeachment.

Reeleito para o cargo em 2006, ele loteou a máquina pública entre diferentes partidos, incluindo no rateio joias da coroa, como a Petrobras, que se tornaria símbolo do maior esquema de corrupção já descoberto na história do país. Desbaratado na gestão da aliada Dilma Rousseff, o petrolão rendeu 580 dias de cadeia a Lula, que depois reverteu a condenação e a perda dos direitos políticos na Justiça.

Com o petista de volta ao Palácio do Planalto, esperava-se que ele evitasse a todo custo a reedição de roubalheiras, que mancharam a sua biografia e estimularam um sentimento antipetista em setores da sociedade. Não foi o que ocorreu. Velhas práticas, antigos aliados e a omissão costumeira semearam a explosiva crise no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que, a exemplo dos escândalos anteriores, transita entre a política e a polícia. Certas lições, aparentemente, não foram aprendidas.

CAOS - Posto do INSS: fila de espera por benefícios já ultrapassou 2 milhões de pessoas
CAOS – Posto do INSS: fila de espera por benefícios já ultrapassou 2 milhões de pessoas (Jorge William/Agência O Globo/.)

Em regimes presidencialistas como o brasileiro, os mandatários têm de negociar alianças com partidos para garantir a chamada governabilidade. No mundo ideal, a distribuição de ministérios é feita de forma republicana, com base em afinidades programáticas ou de bandeiras. Na realidade de Brasília, no entanto, impera o fisiologismo, o notório “é dando (cargos e verbas) que se recebe (votos favoráveis no Congresso)”.

exercício do poder, Lula sempre apostou na formação de uma base parlamentar a qualquer custo. Em seu terceiro mandato, repassou ministérios a uma dezena de partidos sem se preocupar com a qualificação técnica dos indicados para comandar as pastas. Deu no que deu. Carlos Lupi, por exemplo, assumiu a Previdência porque manda no PDT e era o quadro mais adequado para garantir a lealdade ao governo dos dezessete deputados e três senadores da legenda.

O resultado da escolha é conhecido, mas não pode ser considerado uma surpresa. Em seu segundo mandato, Lula nomeou Lupi para o cargo de ministro do Trabalho e, ao passar a faixa presidencial, ainda convenceu Dilma Rousseff a mantê-lo na função.

RETALIAÇÃO - Bancada do PDT: desembarque da base do governo depois da demissão do ministro
RETALIAÇÃO – Bancada do PDT: desembarque da base do governo depois da demissão do ministro (@pdt.org.br/Facebook)

Assim foi feito, até que surgiram suspeitas de irregularidades — e de pagamentos de propina — em convênios firmados pela pasta com organizações não governamentais. Um dos principais beneficiários dos recursos liberados pelo ministério alugou, numa singela retribuição, um avião King Air para que Lupi cumprisse agendas políticas no Maranhão.

Quando o caso foi revelado por VEJA, em 2011, o então ministro do Trabalho negou o favor, mas foi desmentido posteriormente, em nova reportagem da revista, por fotos e vídeos que o mostravam desembarcando da dita aeronave na companhia de quem lhe bancara a cortesia. A mentira, somada às suspeitas de desvios nos contratos com as ONGs, custou o cargo a Lupi, que acabou demitido por Dilma.

Na época, Lula chegou a reclamar com petistas das demissões promovidas pela sucessora, que estaria tentando fazer um contraponto a ele, mostrando-se intransigente com “malfeitos” a fim de ganhar popularidade em segmentos avessos ao PT. O presidente sempre foi parceiro de Lupi e, em meio ao atual escândalo do INSS, demorou nove dias para demiti-­lo após a operação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU) contra o esquema de descontos ilegais de aposentados e pensionistas.

PREOCUPAÇÃO - Gleisi e Queiroz: o governo teme que o escândalo escale mais alguns degraus
PREOCUPAÇÃO – Gleisi e Queiroz: o governo teme que o escândalo escale mais alguns degraus (Ricado Stuckert/PR)

A demora para a exoneração decorreu da preocupação do petista com a reação do PDT, que já vinha reclamando do tratamento recebido do governo. Na terça-feira 6, a bancada do partido na Câmara anunciou o desembarque da base governista e uma postura de independência. A decisão foi tomada depois de uma reunião dos deputados com Lupi, que jurou inocência no encontro:

“Eu não tenho nada com isso. Vão revirar a minha vida, mas não vai sobrar nada para mim”. Filiado à sigla e eterno presidenciável, o ex-ministro Ciro Gomes agiu para esgarçar a relação entre as partes. Ele criticou a exoneração de Lupi e conclamou políticos a enfrentarem o PT em seu estado natal, o Ceará. Derrotado em quatro eleições presidenciais, Ciro Gomes tem registrado bom desempenho nas pesquisas sobre a próxima corrida presidencial, ultrapassando, em algumas delas, a casa dos dois dígitos.

Já Lula, de olho na reeleição, quer evitar a proliferação de rivais em 2026 e, até por isso, escolheu Wolney Queiroz, secretário-executivo da Previdência na gestão Lupi e filiado ao PDT, para assumir o ministério. Foi uma tentativa de trocar seis por meia dúzia e conter os ímpetos da rebelião pedetista, que não se consumou por completo.

Pressionado, o presidente conseguiu uma manifestação de apoio da bancada de senadores do PDT, que não desembarcou da nau governista. São só três integrantes, mas, como a esquerda é minoritária, podem ser considerados imprescindíveis. Como se sabe, não faltam desafios a Lula no Congresso. Um deles é deter a tentativa da oposição de criar uma comissão parlamentar de inquérito para investigar o roubo aos aposentados e pensionistas.

Nos últimos dias, a ministra Gleisi Hoffmann, da articulação política, pediu a aliados empenho para barrar a CPI do INSS e priorizar a pauta do governo, que inclui a PEC da Segurança e a ampliação da isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 000 reais.

Como o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), indicou que não instalará o colegiado, oposicionistas passaram a trabalhar para criar uma comissão mista, com deputados e senadores, que depende do aval do comandante do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), convidado por Lula para embarcar numa viagem oficial à Rússia e à China. Diante da dificuldade com o chão do plenário, o presidente está apostando pesado na parceria com os chefes do Legislativo. Está negociando por cima.

INVESTIGAÇÃO - Oposição: deputados colheram assinaturas suficientes para instalar uma CPI
INVESTIGAÇÃO – Oposição: deputados colheram assinaturas suficientes para instalar uma CPI (Brenno Carvalho/Agência O Globo/.)

O objetivo inicial de Lula era melhorar a própria popularidade, com o avanço da ampliação da isenção do IR, por exemplo. Agora, é conter a possibilidade de nova sangria em sua imagem. O risco é real, já que o caso do INSS tem forte apelo popular e envolve crime contra pessoas consideradas vulneráveis. Segundo as investigações, 6,3 bilhões de reais foram descontados de aposentados e pensionistas entre 2019 e 2024, mas ainda não se sabe quanto de forma ilegal.

Os descontos saltaram de 706 milhões de reais em 2022, último ano do governo de Jair Bolsonaro, para 2,6 bilhões de reais em 2024. Ou seja, ganharam tração na gestão Lula. O presidente alega que a ação contra os criminosos ocorreu em seu mandato, o que seria um ponto favorável para ele. O problema é que a tal ação só foi realizada agora, apesar de o então ministro Lupi, que pode ser um dos alvos da eventual CPI, ter sido avisado da ocorrência de descontos ilegais ainda em 2023.

Desde então, acumulam-se evidências de omissão por parte de integrantes da Previdência e do INSS, sem contar, claro, os indícios de que operadores do esquema pagaram propina a servidores públicos.

EMPUXO - Ciro: o caso trouxe o ex-governador, adversário do PT, de volta ao debate político
EMPUXO – Ciro: o caso trouxe o ex-governador, adversário do PT, de volta ao debate político (Brenno Carvalho/Agência O Globo/.)

É esse mix de omissão e propina que a oposição quer explorar. É o risco de desgaste decorrente do caso que integrantes da base do Palácio do Planalto estão usando como moeda de troca a fim de cobrar mais caro para ajudar o governo. Há ainda um dado particular que complica o enredo para Lula.

Uma das doze associações investigadas pela PF e pela CGU, por supostamente fazerem descontos em aposentadorias e pensões sem autorização dos segurados do INSS, é o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos, cuja arrecadação saltou de 17 milhões de reais em 2019 para 90 milhões de reais em 2023. Um dos dirigentes da entidade é José Ferreira da Silva, o irmão de Lula conhecido como Frei Chico, que ascendeu de um cargo na diretoria, ocupado desde 2008, para o posto de vice-presidente no ano passado.

Na nova função, ele tem a prerrogativa de fazer a gestão financeira e definir o valor das mensalidades cobradas dos associados. A tentativa de convocação de Frei Chico para uma CPI não é só uma barbada como uma das principais apostas dos oposicionistas para desgastar o presidente.

ALVO - Frei Chico: o irmão do presidente dirige uma das entidades suspeitas de fraudar as aposentadorias
ALVO – Frei Chico: o irmão do presidente dirige uma das entidades suspeitas de fraudar as aposentadorias (Bruno Rocha/Fotoarena/.)

De forma atabalhoada, o governo tenta reagir como pode. Uma das primeiras promessas de Lula foi trabalhar pelo ressarcimento das pessoas lesadas. De início, cogitou-se usar recursos públicos para tanto, mas a ideia foi deixada de lado. Na última quinta-feira, o governo anunciou que o INSS cobrará o ressarcimento das associações e sindicatos que, segundo aposentados e pensionistas, realizaram descontos ilegais.

Se o pagamento não for feito por via administrativa, as entidades e seus dirigentes serão cobrados na Justiça. De forma preventiva, a Advocacia-Geral da União pediu o bloqueio de 2,5 bilhões de reais em bens de pessoas físicas e jurídicas suspeitas de participar do esquema, além da quebra de seus sigilos bancário e fiscal.

O governo também informou que, de forma subsidiária, pode recorrer a recursos do Orçamento para devolver os valores roubados aos segurados. Enquanto o acerto de contas não acontece, não será fácil mudar de assunto, já que o INSS é uma fonte inesgotável de problemas. Nos últimos dias, surgiram indícios de fraude também em contratos de empréstimo consignado para aposentados.

Além disso, a fila do instituto, que Lupi prometeu zerar, superou a casa de 2 milhões de pessoas na virada do ano. Para o economista Pedro Fernando Nery, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, o INSS vive uma “tempestade perfeita”: “O escândalo das cobranças indevidas vai sugar recursos humanos do instituto nos próximos meses, dificultando a redução da fila”, afirma.

Essa situação periclitante está longe de ser surpreendente. Ela decorre da velha estratégia de Lula de lotear a máquina pública, inclusive órgãos técnicos, entre partidos, como forma de garantir apoio para governar. Ao longo dos anos, o presidente deu demonstrações sucessivas de que prioriza as conveniências políticas em detrimento de critérios como competência e interesse público.

A corrupção encontra, assim, um terreno fértil. “Desde a colonização, formou-se uma mentalidade de que, ao invés do bem comum, prevalece a concepção de que as pessoas querem aproveitar o máximo que puderem do poder que elas adquirirem”, afirma o doutor em ciência política José Álvaro Moisés. Essa tradição, digamos assim, tem um custo considerável e segue viva, com suporte no discurso da hipocrisia política. No caso do PT, Lula nunca fez um mea-culpa pelo mensalão e pelo petrolão.

Pelo contrário, esgrime a tese de que ambos os casos eram conspirações da elite contra o primeiro projeto genuinamente popular a chegar ao poder. O discurso do nós, o povo, contra eles, os donos do dinheiro, convenceu parte dos eleitores durante algum tempo, mas não surte tanto efeito como no passado. Nada mais natural. Afinal de contas, quem jura proteger os mais necessitados não deveria, em hipótese alguma, permitir que eles fossem roubados. O caso atual dos idosos tungados por uma quadrilha agindo dentro do INSS acrescenta um novo e chocante capítulo ao país que não consegue se livrar do estigma da corrupção.

Colaboraram Ricardo Chapola e Felipe Erlich

*Com informações veja.abril

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