O ministro Humberto Martins elevou para 3 a 0 a favor de Gilmar Mendes (foto) o julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre ação que o decano do Supremo Tribunal Federal (STF) move contra a revista IstoÉ, a jornalista Tabata Viapiana e o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Octávio Costa.
O julgamento é conduzido pela 3ª Turma do STJ. Agora, faltam apenas os votos de Nancy Andrighi e Paulo Dias de Moura Ribeiro, o que significa que já há maioria em favor de Gilmar.
Organizações que atuam para proteger a liberdade de imprensa no Brasil manifestaram preocupação com a “grave ameaça” a ela, em razão desse julgamento, cujo objeto é a reportagem “Negócio suspeito”, publicada em dezembro de 2017.
Diversas associações de imprensa publicaram notas sobre “o risco de um precedente de censura judicial contra jornalistas que atuam sem má-fé e em prol do interesse público”, além do “uso do sistema de Justiça por figuras públicas para intimidar repórteres e veículos de comunicação”.
Quem já votou a favor de Gilmar?
Terceiro voto a favor de Gilmar no caso — Daniela Teixeira e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram da mesma forma—, Humberto Martins foi indicado por Lula ao STJ em 2006 e é pai de Eduardo Martins, indicado por Lula ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) em 2024.
Eduardo Martins, apontado em novembro de 2020 por Crusoé como “um fenômeno do filhotismo”, havia sido alvo em setembro daquele ano da Operação E$quema S, desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro que também atingiu o advogado Caio Asfor Rocha, da família de Gilmar. Caio é casado com Tatiana, sobrinha da esposa do ministro do STF, Guiomar Mendes, e filha do empresário Francisco Feitosa de Albuquerque Lima.
Gilmar Mendes foi quem suspendeu em 2020 a ação penal da Operação E$quema S, como detalhou Crusoé na matéria “Cai o tráfico, fica a influência”, de 2024.
Humberto Martins também é autor de um dos 40 artigos de juristas que integram o livro “A defesa da Constituição e do Estado de Direito: homenagem aos 20 anos do Ministro Gilmar Mendes no STF”. A obra foi lançada em 19 de outubro de 2022 na Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal, do próprio Supremo.
Assim como Daniela Teixeira e Ricardo Villas Bôas Cueva, Humberto Martins também já participou do Fórum de Lisboa, conhecido como Gilmarpalooza. Na edição de 2024, ele moderou um painel intitulado “Judicialização da Política”.
Revertendo derrotas
Gilmar havia sido derrotado em primeira e segunda instâncias, mas recorreu ao tribunal superior, onde o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em maio de 2021, inicialmente negou o recurso extraordinário, concluindo não haver comprovação de ofensa à honra, nem erro jornalístico. Mas depois mudou de posição, concluindo que houve “excesso de ironia” ao ministro do STF.
O relator então votou pela condenação dos réus, de forma solidária, ao pagamento de 150 mil reais, acrescidos de juros de 1% ao mês e correção monetária desde a publicação da matéria.
Ricardo Villas Bôas Cueva, indicado ao STJ pela petista Dilma Rousseff em abril de 2011 para a vaga aberta pela morte de Paulo de Tarso Sanseverino, participou de quatro edições do Fórum Jurídico de Lisboa – que virou só Fórum de Lisboa, mas ficou conhecido como Gilmarpalooza –, nos anos de 2018, 2021, 2022 e 2023, como registra o site do evento, promovido pelo próprio autor da ação, Gilmar Mendes. Na última participação, por exemplo, Villas Bôas moderou um painel intitulado “Inteligência artificial e governança algorítmica: desafios regulatórios”.
Gilmar e Villas Bôas também já participaram juntos de outros eventos, ao longo dos anos, como o Seminário Regulação e Desenvolvimento, em 31 de março de 2023, organizado pela Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3a Região (EMAG); e o curso “Improbidade Administrativa e Agentes Públicos”, no qual palestraram em 11 de maio de 2012, sob organização da Escola da Magistratura (Emagis) do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4).
Histórico
Já Daniela Teixeira, indicada por Lula em agosto de 2023 para a vaga aberta com a aposentadoria do ministro Félix Fischer, concluiu mestrado em Direito, em 2020, pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), fundado também por Gilmar e administrado por seu filho, Francisco Mendes – cujo nome vem aparecendo em outras reportagens de imprensa em razão das relações comerciais da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) com o instituto familiar.
O próprio ministro do STF publicou no X, em 5 de agosto de 2024, duas fotos em que aparece com Daniela em seminário do IDP. Gilmar exaltou o que chamou de “brilhante trajetória” da ministra e se referiu ao curso feito por ela como “nosso”.
“Nesta manhã, recebemos a Ministra do STJ Daniela Teixeira no @SejaIDP Summit. Durante o evento que marca o início do período letivo, os alunos puderam se inspirar na brilhante trajetória da palestrante, egressa do nosso curso de mestrado. Desejamos a todos um excelente semestre!”
O orientador de Daniela foi o desembargador Ney Bello, do TRF-1, aliado de Gilmar que o decano do STF tentou emplacar no STJ, mas que acabou ficando de fora da lista tríplice encaminhada a Lula. Daniela e Bello participaram do Gilmarpalooza, em Lisboa, em 2024. Ela palestrou no painel “Sistemas de justiça no século XXI: avanços e retrocessos”; ele, no painel “Criminalidade Transnacional e Virtual”.
Posicionamento editorial
O Antagonista expõe na presente matéria fatos objetivos e verificáveis, mas não vai reproduzir as sutis ironias de 2017 da revista processada, nem vai ironizar as relações aqui expostas entre Gilmar Mendes e ministros do STJ que votaram a favor dele, pois ainda não está claro, afinal, qual é o grau de ironia que configura um “excesso” passível de punição; e se há autoridades mais iguais que as outras em relação ao tema, já que a ironia a qualquer autoridade é tradição no debate público brasileiro e mundial.
Reforçamos apenas que, em país onde jornalistas e veículos são condenados por vigilância sobre o poder, a liberdade de imprensa não está ameaçada. Ela já acabou.