Muito antes de o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conceder asilo político e abrigar no Brasil a ex-primeira-dama do Peru Nadine Heredia, condenada em seu país por lavagem de dinheiro, o ministro Dias Toffoli beneficiou, com decisões monocráticas, ao menos 28 estrangeiros investigados por corrupção em seus países de origem.
Desde junho de 2023, Toffoli tem atendido a pedidos de políticos, operadores, burocratas e empresários latino-americanos e europeus delatados por executivos da Odebrecht e que recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para anular as provas que a holding entregou ao Ministério Público em seu acordo de leniência.
Em 2016, o grupo resolveu colaborar com a Justiça e, no acordo fechado com autoridades do Brasil, Suíça e Estados Unidos, reconheceu o pagamento de US$ 788 milhões de propina em 12 países. Em 2021, com base em mensagens de procuradores da Lava Jato captadas ilegalmente por hackers, o ministro Ricardo Lewandowski anulou as provas da Odebrecht contra Lula e vários outros políticos brasileiros.
Com a aposentadoria dele, Toffoli assumiu o processo e passou a anular também provas contra estrangeiros. Levantamento da Gazeta do Povo no sistema do STF encontrou 26 decisões de Toffoli a favor de 28 estrangeiros e uma empresa. Há pessoas acusadas, condenada ou com origem no Panamá (10), Peru (6), Equador (3), Colômbia (2), Holanda (2), Argentina (1), México (1), Áustria (1), Espanha (1) e Suécia (1).
As decisões seguem um mesmo padrão, no qual Toffoli declara a “imprestabilidade” de dados extraídos dos sistemas Drousys e o MyWebDay, da Odebrecht, que registravam pagamentos de propina e caixa 2 eleitoral a políticos. O ministro entende que o grupo foi coagido a fechar o acordo de leniência e por isso anulou essas provas.
O ministro então diz que isso também afeta a cooperação jurídica do Brasil com outros países e determina que a decisão seja encaminhada ao Ministério da Justiça para notificar o estrangeiro e seu país. Por fim, impede “quaisquer atos instrutórios ou de cooperação” no Brasil – em muitos casos, isso proíbe que testemunhas detalhem os esquemas realizados lá fora perante a Justiça brasileira.
Muitas decisões de Toffoli, no entanto, não impediram que os beneficiários se livrassem da Justiça em seus países. Marido de Nadine Heredia, o ex-presidente do Peru Ollanta Humala, que governou o país entre 2011 e 2016, foi condenado junto com ela, neste mês, a 15 anos de prisão em casos envolvendo a construtora brasileira Odebrecht (atual Novonor) e o governo do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez.
Toffoli anulou as provas da Odebrecht contra Humala em agosto de 2023, mas isso não obrigou a Justiça do Peru a invalidá-las por lá. O ex-presidente peruano, de 62 anos, foi considerado culpado por lavar US$ 3 milhões da Odebrecht, que abasteceram suas campanhas de 2006 e 2011.
Veja abaixo, por país, outros estrangeiros que recorreram a Toffoli para anular provas
Peru
Além de Ollanta Moisés Humala, Toffoli também anulou, em março do ano passado, os registros da contabilidade paralela da Odebrecht envolvendo o ex-ministro Jaime Yoshiyama e a empresária Susana de la Puente.
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Yoshiyama chefiou, em 2011, a campanha à presidência de Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori. Ele foi acusado de lavagem de dinheiro por, supostamente, intermediar o pagamento de US$ 1 milhão da Odebrecht à campanha de Keiko, entre novembro de 2010 e junho de 2011, em duas parcelas de US$ 500 mil.
Susana, por sua vez, responde a processo criminal pela suspeita de repassar US$ 300 mil que teria recebido da Odebrecht à campanha do ex-presidente Pedro Pablo Kuczynski, conhecido como PPK, em 2011.
Em junho de 2024, Toffoli também anulou as provas da Odebrecht contra os uruguaios Juan Ignacio Fraschini Silvarredonda e Alfredo Óscar Cat Rachetti. Segundo o Ministério Público do Peru, os dois teriam lavado dinheiro de propina da Odebrecht para Juan Carlos Zevallos Ugarte, que chefiou, entre 2007 e 2012, o Ositran, órgão do governo que fiscaliza investimentos em infraestrutura de transportes.
Em agosto, Toffoli também atendeu a um pedido do empresário Gonzalo Monteverde Bussalleu, acusado de operar propina da Odebrecht no Peru. Em setembro, o governo peruano anunciou recompensa de 500 mil soles peruanos (o equivalente a R$ 767 mil) por informações que levassem à sua captura. Ele está foragido do país desde 2019.
Todos os presidentes que governaram o Peru entre 2001 e 2018 – Alan Garcia, Alejandro Toledo, Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski – foram acusados de ter recebido subornos da Odebrecht. Garcia cometeu suicídio antes de ser preso, em 17 de abril de 2019. Toledo foi condenado a 20 anos de prisão em outubro de 2024.
Panamá
O país com mais investigados beneficiados pelas decisões de Toffoli foi o Panamá: 10. A primeira decisão foi assinada em dezembro de 2023, quando o ministro anulou as provas da Odebrecht relacionadas aos empresários Riccardo Francolini Arosemena e Juan Antonio Niño Pulgar.
Em março de 2024, Toffoli atendeu a pedido semelhante do ex-presidente do Panamá Ricardo Martinelli, que governou o país entre 2009 e 2014 e foi acusado em 2022 de lavagem de dinheiro. Poucos dias depois, ele estendeu a decisão a Aurora Muradas Fraiz, que, segundo a imprensa peruana, era amante de Martinelli e supostamente recebeu dinheiro da Odebrecht a pedido dele.
Em abril, Toffoli livrou dois filhos de Martinelli, Luis Enrique e Ricardo Alberto. Entre 2020 e 2023, eles cumpriram pena de dois anos e meio de prisão nos Estados Unidos, por receberem US$ 28 milhões em propinas da Odebrecht, dos quais US$ 19 mi transitaram por contas americanas.
Ainda em abril, Toffoli anulou as provas da Odebrecht contra outro ex-presidente panamenho, Juan Carlos Varela, que era vice Martinelli e o sucedeu no governo do país, entre 2014 e 2019. Ele é réu no mesmo processo do padrinho político, acusados de receber dinheiro da Odebrecht por meio de empresas de fachada e contas no exterior entre 2008 e 2014.
Em maio de 2024, Toffoli anulou provas Demetrio Papadimitriu, ex-ministro da Presidência do governo Martinelli e que chefiou sua campanha eleitoral. Em junho, o ministro livrou Juan Carlos Espinosa Jimenez, ex-diretor-geral de Política Externa do Ministério das Relações Exteriores do Panamá, réu no mesmo processo por lavagem.
Em novembro, Toffoli estendeu a decisão a Jaime Ford Castro, ex-ministro de Obras Públicas de Martinelli. Um ano antes, em novembro de 2023, a Justiça panamenha o condenou por lavagem de dinheiro, com multa de US$ 11,4 milhões, em outro escândalo de corrupção no governo, conhecido como “Blue Apple”.
Equador
Em agosto de 2023, Toffoli anulou provas da Odebrecht contra o ex-vice-presidente do Equador Jorge Glas Espinel. Ele foi condenado em 2017 a 14 anos de prisão por associação criminosa e corrupção por propinas recebidas da Odebrecht, direcionadas ao partido Aliança. Para não ser preso, em dezembro de 2023, Glas se refugiou na embaixada do México em Quito; em abril do ano passado, no entanto, a polícia equatoriana invadiu o local e o prendeu.
Em dezembro de 2023, Toffoli estendeu a decisão que beneficiou Glas a Carlos Pólit, ex-controlador-geral do Equador, que é suspeito de receber propinas da Odebrecht. Quase um ano depois, em outubro de 2024, ele foi condenado nos EUA a 10 anos de prisão e a pagar US$ 16,5 milhões. Segundo a acusação, entre 2010 e 2015, ele recebeu mais de US$ 10 milhões de propina da Odebrecht em troca do cancelamento de multas à empreiteira no país. A condenação em solo americano se deu porque o dinheiro era depositado na Flórida.
Em maio do ano passado, Toffoli também anulou provas da Odebrecht contra Ricky Dávalos Oviedo, empresário acusado de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Segundo as investigações, entre 2011 e 2017, ele teria recebido US$ 644 mil da construtora.
Em fevereiro deste ano, Toffoli anulou provas da Odebrecht envolvendo a Telconet, uma das maiores provedoras de internet do Equador. Segundo as investigações, a Telconet recebeu recursos provenientes da empresa brasileira.
Colômbia
Em novembro do ano passado, numa única decisão, Toffoli anulou provas da Odebrecht contra o ex-ministro da Fazenda da Colômbia Óscar Iván Zuluaga, e seu filho, David Zuluaga. Ex-candidato à Presidência, Óscar é réu por falsificação de documento particular, fraude processual e enriquecimento ilícito por supostamente ter recebido US$ 1,6 milhão da Odebrecht em sua campanha de 2014.
David Zuluaga atuava como chefe da campanha; segundo as investigações, o dinheiro da empreiteira brasileira serviria para pagar o marqueteiro baiano Duda Mendonça. Óscar foi vencido na disputa eleitoral por Juan Manuel Santos, reeleito naquele ano.
Holanda
No último dia 4 de abril, Toffoli anulou provas da Odebrecht contra os empresários Paul Willem Van Wijlen e Hendrik Andries Van Wijlen. Ambos foram alvos da Operação Máquina, deflagrada na Holanda em junho de 2018 para apurar um esquema de corrupção relacionado à Odebrecht. Três empresas ligadas a eles são suspeitas.
Argentina
Em agosto de 2024, Toffoli declarou imprestáveis provas da Odebrecht contra o empresário argentino Jorge Ernesto Rodríguez. Conhecido como “Corcho”, ele é réu por supostamente intermediar pagamentos da Odebrecht a políticos nas obras de uma estação de tratamento de água em Las Palmas e uma ferrovia em Buenos Aires.
México
Em junho do ano passado, Toffoli também anulou provas da Odebrecht contra Emilio Lozoya. Executivo da estatal petrolífera mexicana Pemex entre 2012 e 2016, ele é acusado de lavagem de dinheiro, associação criminosa e corrupção passiva no México.
Áustria
Em agosto do ano passado, Toffoli declarou como imprestáveis os registros de pagamentos da Odebrecht a Peter Weinzierl, ex-diretor do banco austríaco Meinl Bank. Ele é acusado nos EUA por lavagem de dinheiro em esquema da Odebrecht para sonegação de aproximadamente US$ 100 milhões em impostos e de criar fundos para movimentar propinas no exterior. Ainda responde a outro processo na Áustria.
Espanha
Em junho de 2023 e dezembro de 2024, Toffoli anulou provas contra o advogado Rodrigo Tacla Duran, processado no Brasil e na Espanha por supostamente lavar dinheiro para a Odebrecht. Ele diz que que foi alvo de perseguição por não aceitar ser extorquido na Lava Jato, por se recusar aceitar um acordo de delação premiada.
Suécia
Em setembro de 2024, Toffoli também declarou nulas as provas da Odebrecht contra o sueco Bo Hans Vilhelm Ljungberg. Investigado pela Lava Jato no Brasil, foi acusado de intermediar pagamento de propinas a funcionários da Petrobras, entre 2009 e 2014, em troca de vantagens a empresas que negociavam compra de derivados de petróleo.