No julgamento da denúncia contra o segundo grupo de acusados de tramar um golpe de Estado em 2022, os advogados de defesa apresentaram alguns fatos novos, omitidos pela acusação, que colocam em xeque teses levantadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para condenar os denunciados.
Nesta terça-feira (22), por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia e tornou réus por cinco crimes o chamado núcleo 2 da suposta organização criminosa que teria tentado, segundo a PGR, impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e manter no poder o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Com isso, será aberta uma ação penal contra Filipe Martins, ex-assessor de assuntos internacionais de Bolsonaro; Marcelo Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; Mário Fernandes, general e ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência; Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal; Fernando de Sousa Oliveira, ex-secretário-adjunto de Segurança do Distrito Federal; e Marília de Alencar, ex-subsecretária de Segurança do DF e de inteligência do Ministério da Justiça.
No fim de março, os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, integrantes do colegiado, já haviam acolhido a denúncia contra o primeiro núcleo de denunciados, composto por Bolsonaro e outros sete acusados – no total, 34 pessoas foram denunciadas por tramarem a suposta tentativa de golpe.
Na sessão desta terça, os advogados do núcleo 2 tentaram mostrar fragilidades da denúncia com dados até desconhecidos ou ignorados na investigação. A tendência é de que eles sejam explorados com mais profundidade durante o processo criminal, em que as defesas podem apresentar novas provas para tentar absolver os réus.
Na tribuna e após o julgamento, a defesa de Filipe Martins reiterou que quer acessar dados de geolocalização que a PF, a PGR e o próprio STF têm do ex-assessor. Com isso, pretendem provar que ele poderia não estar presente numa reunião, ocorrida em novembro de 2022 no Palácio da Alvorada, na qual ele teria, segundo a acusação, apresentado a chamada “minuta do golpe”, texto de um decreto, nunca assinado por Bolsonaro, no qual o ex-presidente determinaria a realização de novas eleições.
O relato foi feito por Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, em sua delação premiada, mas segundo os advogados, não há prova da participação de Martins nesta reunião, nem de seu envolvimento na elaboração do documento, encontrado no celular de Cid e depois na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
A defesa de Martins também diz que não está no processo a versão da minuta lida por Martins numa outra reunião sobre o assunto ocorrida em dezembro com comandantes militares – nessa ocasião, ela já teria sido alterada por Bolsonaro, segundo a denúncia.
“A reunião foi no dia 18 de novembro e ele comprova com uma entrada [do Filipe Martins no Palácio da Alvorada] no dia 19 de novembro”, disse à imprensa, após o julgamento, o advogado Filipe Martins. Acrescentou que não há mensagem de Cid ligando Martins à minuta e que, em depoimento, o ex-comandante do Exército Freire Gomes afirmou que “possivelmente” o ex-assessor teria lido o documento.
“Por isso a importância da geolocalização, que vai dizer os dias exatos que o Filipe Martins esteve no Palácio da Alvorada. Pode provar que ele não esteve lá no dia 18”, disse ainda o advogado. Ele ainda argumenta que Martins passou a trabalhar no Alvorada, onde Bolsonaro passou a despachar após as eleições e, por isso, sua mera presença no local também não comprovaria sua participação nas reuniões.
Na sessão, o advogado de Marcelo Câmara, Eduardo Kuntz, negou que o coronel tenha monitorado Alexandre de Moraes como parte de um plano para executá-lo. Segundo a defesa, o militar, como ajudante de ordens de Bolsonaro, fazia um “controle de agenda”, por causa de um encontro fora da agenda oficial, na casa do ex-ministro da Casa Civil Ciro Nogueira, entre Bolsonaro e o próprio Moraes, no fim de 2022.
“Não há nada contra Vossa Excelência. O monitoramento foi para aquela reunião que aconteceu, com o ex-presidente, na casa do Ciro Nogueira. Apenas e tanto só isso. Diferente do que a Polícia Federal diz. Sem equipamentos complexos, sem fontes restritas, apenas com recursos abertos e comunicação plena, sutil, sem ataques e sem objetivos outros”, disse o advogado na sustentação, dirigindo-se a Moraes.
A defesa do general Mario Fernandes, que teve um HD apreendido e no qual foi encontrado o plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa a “neutralização” de Moraes, também negou animosidade contra o ministro. “Meu cliente não é inimigo da Corte. Não atentou contra a vida de Vossa Excelência”, afirmou o advogado Marcos Figueiredo, também dirigindo-se a Moraes.
Depois, disse ser “fato incontroverso” que o documento não foi apresentado a ninguém – a PGR diz na denúncia que ele foi impresso no Palácio do Planalto por Mario Fernandes e levado a Bolsonaro. “Essa minuta não foi apresentada a quem quer que seja”, disse o advogado. Depois disse que, durante o processo, demonstrará que não há ligação entre o plano “Punhal Verde e Amarelo”, o documento “Copa 2022” (que seria a execução do primeiro, com agentes em campo seguindo o ministro) e o “Desenho Op Luneta”, que segundo a PGR, detalhava etapas de implementação do golpe.
Advogado nega que Silvinei Vasques tentou impedir eleitores de Lula de votar
No julgamento, a defesa de Silvinei Vasques negou que ele tenha direcionado a PRF para impedir eleitores de Lula de votarem no segundo turno das eleições. O advogado Anderson de Almeida disse que o planejamento da fiscalização nas estradas foi feito pelas 27 superintendências estaduais da corporação, não de maneira centralizada. Depois, ressaltou que não houve eleitores impedidos de votar.
“Nenhum eleitor deixou de votar. Os 27 TREs afirmaram que nunca chegou qualquer tipo de reclamação. Indice de abstenção foi o menor da história. Que golpe é esse, que a denúncia quer fazer crer?”, disse o advogado na tribuna.
No julgamento, Cármen Lúcia, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Alexandre de Moraes, que comandava a Corte à época, disseram que houve tentativa de impedir eleitores de Lula de votar, que foi frustrada pela atuação deles no dia, quando Silvinei foi chamado ao tribunal para desmobilizar as equipes.
Advogado de Fernando Oliveira, Danilo Davi Ribeiro destacou, no julgamento, mensagens de seu celular que demonstrariam que ele não foi omisso antes e no próprio dia 8 de janeiro de 2023. Argumentou que ele havia acabado de assumir o cargo e que mesmo assim atuou para impedir que a manifestação se excedesse.
Relatou que no dia 7 mandou mensagem determinando o fechamento da Esplanada dos Ministérios e que se reuniu com a PF para alinhamento da atuação com a polícia do DF e que nesse encontro a Força Nacional de Segurança teria sido colocada à disposição pelo então ministro da Justiça Flávio Dino, que hoje julga o caso no STF.
“Não houve omissão nenhuma. Que omissão é essa, de quem busca a Força Nacional?”, disse o advogado, dirigindo-se a Dino.
Acrescentou depois que, na noite do dia 7, cobrou da Polícia Militar do DF permissão para a Força Nacional atuar no dia seguinte. Na manhã do dia 8, ele ainda teria se comunicado com o comando da PM para cobrar atuação para impedir danos.
“À uma da tarde, foi à Esplanada, presenciou todos os atos, imediatamente ele mesmo instaurou gabinete de crise, lutou junto com a PM, esteve exposto a todo tipo de violência, e lado a lado ao interventor, cumpriu dever”, disse o advogado.
O advogado Eugênio Aragão, advogado de Marília de Alencar, destacou sua atuação como delegada da PF e disse que o relatório que ela fez, enquanto subsecretária de inteligência do Ministério da Justiça, sobre pontos de fiscalização no segundo turno das eleições, identificava locais de potencial conflito entre eleitores de Bolsonaro e Lula, e não lugares onde a PRF deveria atuar para impedir eleitores de Lula de votar.
“Não visava a impedir voto, mas a áreas de possível confronto entre bolsonaristas e partidários do presidente Lula. Era a função dela. Como diretora de inteligência, sua função era apontar riscos”, disse Aragão. Acrescentou que ela não repassou esse relatório a Silvinei Vasques, da PRF, e que os dois nem se encontraram no dia – só teriam participado de uma mesma reunião no Centro de Comado e Controle, que funciona na sede da PRF.
Moraes insiste em “gravidade” do suposto golpe no 8 de janeiro
No voto para receber a denúncia, Alexandre de Moraes buscou rebater todas as alegações, inclusive expondo no telão prints dos documentos que comprovariam os planos para concretizar o golpe.
Assim como no julgamento da denúncia contra Bolsonaro e o primeiro grupo de denunciados, voltou a exibir vídeo com cenas dos distúrbios em Brasília ocorridos em 12 de dezembro de 2022, dia da diplomação de Lula no TSE, e no dia 8 de janeiro. Depois, fez um apelo contra a anistia para os invasores dos edifícios do STF, do Congresso e do Palácio do Planalto.
“As pessoas de boa-fé deveriam se perguntar: se o que aconteceu com o Brasil acontecesse na sua casa? Se um grupo organizado armado ingressasse na sua casa, destruísse tudo, mas com a finalidade de fazer o seu vizinho mandar na sua casa, ou seja, de afastar você e sua família do comando da sua casa, com violência, destruição, bombas, você pediria anistia para essas pessoas? Então, por que no Brasil, na democracia, a tentativa de quebra do Estado Democrático de Direito, tantas pessoas defendem isso?”, afirmou o ministro.