O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) negou ao Poder360 neste domingo (20.abr.2025) qualquer relação entre o petista, o asilo concedido à ex-primeira-dama do Peru Nadine Heredia e as investigações da operação Lava Jato, desmantelada no Brasil, mas ainda ativa no país vizinho.
Políticos de oposição e jornais peruanos criticaram a decisão do governo. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, declarou que a medida foi tomada por “questões humanitárias” e defendeu o uso de um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) para trazer Heredia: “Foi a única forma”.
Uma das teses levantadas por críticos da administração petista é a de que Lula deu asilo para Heredia porque ele próprio estaria envolvido nos crimes imputados à ex-primeira-dama do Peru. Seria uma forma também de ajudar Ollanta Humala, ex-presidente do Peru que foi condenado e preso, acusado de receber propina da Odebrecht.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) usou seus perfis nas redes sociais para criticar o asilo concedido por Lula. Ele também questiona se a medida seria uma forma de evitar uma delação de Heredia.
Circula também na mídia a versão de que o presidente teria pedido para que o Peru concedesse rapidamente o salvo-conduto à mulher. A medida permitiu que Heredia deixasse a embaixada brasileira no Peru sem ser presa e pudesse viajar ao Brasil em um avião da FAB. A Secom nega essa teoria.
“Não é verdade que o presidente Lula tenha ligado para qualquer integrante do governo peruano para tratar do asilo da ex-primeira-dama. Não teve nenhum contato do presidente Lula”, disse.
O Poder360 também pediu ao governo brasileiro uma manifestação a respeito da possível ligação entre as investigações Lava Jato envolvendo Lula e o asilo à ex-primeira-dama do Peru. Segundo a Secom, qualquer relação entre os 2 fatos é improcedente: “Esse assunto já foi até encerrado e debatido e por meio de decisões judiciais, inclusive do Supremo Tribunal Federal”.
NADINE HEREDIA NO BRASIL
A ex-primeira-dama do Peru chegou a Brasília na manhã de 4ª feira (16.abr), acompanhada do filho, menor de idade. Ela e o marido, o ex-presidente Ollanta Humala, foram condenados pela Justiça peruana a 15 anos de prisão por lavagem de dinheiro durante a campanha eleitoral de 2011.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores brasileiro, a decisão foi formalizada na 3ª feira (15.abr), com base na Convenção de Asilo Diplomático assinada em Caracas, em 1954. O Brasil e o Peru são signatários. O governo peruano concedeu salvo-conduto para que Nadine e o filho deixassem o país em segurança.
O Planalto defende que todo o processo foi tratado de forma diplomática, sem a interferência direta de Lula.
A oposição, entretanto, usou o fato para lembrar o envolvimento do petista com a Lava Jato e as investigações de corrupção envolvendo políticos em toda a América Latina e empreiteiras.
“Lula, não contente em simbolizar a impunidade no Brasil, quer importar corruptos que receberam suborno da Odebrecht na América Latina. Se Cristina Kirchner for condenada na Argentina em definitivo, terá no Brasil de Lula um refúgio”, disse o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) ao Poder360.
LULA X LAVA JATO
Lula foi absolvido por obstrução de Justiça envolvendo o silêncio de Nestor Cerveró, por organização criminosa no caso do “Quadrilhão do PT” e na operação Zelotes, que o denunciou por corrupção passiva pela suposta aprovação de Medida Provisória em troca de contrapartidas ao PT.
Os casos do terreno e das doações ao Instituto Lula, que teriam usado repasses da Odebrecht, foram suspensos por Ricardo Lewandowski. O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal e atual ministro da Justiça também paralisou o trâmite da ação que apurava a compra de 36 caças suecos pelo governo Dilma Rousseff (PT). O processo acusava Lula de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
O presidente acumulou vitórias nos tribunais superiores desde que o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro na vara de Curitiba. As duas únicas condenações de Lula, nos casos conhecidos como “tríplex do Guarujá” e “sítio em Atibaia”, foram anuladas.
O ministro Edson Fachin, do STF, entendeu que as ações deveriam tramitar em Brasília, e não em Curitiba, e mandou recomeçar do zero. Quando os processos foram reiniciados, o do tríplex estava prescrito e o do sítio foi negado pela Justiça por falta de provas e por prescrição dos crimes. Isso não significa que o petista foi inocentado, como ele costuma dizer.
Lula ficou 580 dias de prisão e foi solto em 8 novembro de 2019, quando o STF decidiu que a pena só pode ser cumprida depois do chamado “trânsito em julgado”, ou seja, quando não cabe mais recurso.
PERU & LAVA JATO
Quatro ex-presidentes do Peru e a filha de um 5º ex-chefe do Executivo peruano foram envolvidos na operação Lava Jato –já desmantelada no Brasil. A Odebrecht, atualmente Novonor, teria pago propina aos políticos em troca de favorecimentos.
Em depoimento em 9 de novembro de 2017, o ex-presidente da construtora Marcelo Odebrecht afirmou que a empresa havia apoiado políticos peruanos: “Com certeza, apoiamos todos. [Alejandro] Toledo, Alan García, [Ollanta] Humala, Keiko [Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori]”.
Assista ao vídeo com as falas de Marcelo Odebrecht (2min15s):
O empresário disse também que havia acompanhado “uma ou duas palestras” do ex-presidente Pedro Pablo Kuczynski para executivos da Odebrecht. Kuczynski foi ministro do governo Toledo.
A seguir, leia qual é a situação de cada um dos citados:
- Alejandro Toledo (79 anos) – condenado em 2024 a 20 anos de cadeia por, de acordo com a Justiça, ter recebido US$ 35 milhões em propina da Odebrecht. Está preso em Lima;
- Alan García (1949-2019) – cometeu suicídio em 17 de abril de 2019, antes de ser preso temporariamente. Era acusado de receber propina da empreiteira. Tinha 69 anos;
- Ollanta Humala (62 anos) – condenado em abril de 2025 a 15 anos de cadeia sob a acusação de ter recebido US$ 3 milhões da Odebrecht. A Justiça também condenou a ex-primeira-dama Nadine Heredia, 48 anos, ao mesmo tempo de pena. Ela está no Brasil depois de o governo brasileiro conceder asilo. Veio em um avião da FAB (Força Aérea Brasileira);
- Pedro Pablo Kuczynski (86 anos) – está em prisão domiciliar e aguarda o desfecho do caso. O Ministério Público do Peru pediu 35 anos de cadeia ao político–ele teria beneficiado a Odebrecht em troca de propina;
- Keiko Fujimori (49 anos) – diferentemente dos nomes citados acima, a filha de Alberto Fujimori (1938-2024) nunca comandou o país. Suspeita de receber dinheiro da Odebrecht, ela ficou presa preventivamente de outubro de 2018 a novembro de 2019. Em janeiro de 2025, a Justiça peruana anulou o julgamento contra Keiko por falhas na acusação. Mandou o caso ser reiniciado.