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STF faz turnê nos EUA para defender “missão civilizatória” no Brasil

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Nos últimos dias, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) protagonizaram nos Estados Unidos um esforço para apresentar seus atos recentes contra a direita brasileira como parte de uma espécie de projeto civilizatório.

Isso ganhou forma em duas situações distintas: na publicação de uma longa entrevista do ministro Alexandre de Moraes à revista The New Yorker e em palestras na Brazil Conference, evento realizado pela Universidade de Harvard e pelo MIT, com declarações sobre “extremismo” e o papel do Judiciário em reeducar o Brasil. Os ministros se articularam em uma mesma narrativa: o STF salvou o Brasil de um colapso institucional.

As falas nos EUA coincidem com o avanço, no governo Trump, de discussões sobre sanções a Moraes. Pessoas próximas ao presidente americano, como os empresários Jason Miller e Elon Musk, têm pressionado por medidas, e congressistas republicanos discutem leis para punir autoridades que agem contra a liberdade de expressão em outros países, ao mesmo tempo em que departamentos da Casa Branca, como o de Estado e o de Segurança Nacional, avaliam o caso.

Na entrevista à New Yorker, publicada no início de abril, Moraes defendeu o papel exercido pelo STF afirmando que os grupos que ele chama de “extremistas” aderem à lógica de comunicação do nazismo. Ele afirmou que, se Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, tivesse acesso ao X, “os nazistas teriam conquistado o mundo”. Disse ainda: “Eu brinco com a minha equipe de segurança que eu não poderia morrer. O herói do filme precisa continuar”.

A mesma narrativa do papel salvador do STF foi reforçada dias depois pelo ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente da Corte. Em sua fala na Brazil Conference, Barroso falou na “missão” do STF de “enfrentar o populismo autoritário, o extremismo”. Gilmar Mendes usou o mesmo palco para dizer que a “manutenção da democracia” no Brasil é “um ativo que nós podemos apresentar ao mundo”.

A conferência em que os ministros fizeram ataques à direita brasileira foi financiada por empresas e instituições como iFood, banco BTG Pactual, Fundação Itaú, Nomad, Fundação Lemann, YouTube, Cimed, Griaule, Curseduca, Ambev, Stone e Ibmec.

Volta à normalidade depende justamente de que STF abandone “missão civilizatória”, diz jurista

Para o jurista Luiz Augusto Módolo, doutor em Direito Internacional pela USP e autor de “A saga de Theodore Roosevelt” (2020), a tentativa de usar eventos nos EUA e a mídia americana para melhorar a imagem da Corte tende a ser em vão.

“Estamos falando de um país no qual eles não têm nem um milésimo do poder que têm aqui”, diz. “Nada faria melhor para a imagem dos ministros, aqui ou nos EUA, que simplesmente voltar a julgar como gerações de ministros antes deles fizeram no Brasil: arbitrar conflitos e deixar os atores legitimados para outros assuntos livres para atuar.”

O especialista ressalta que a formação atual do STF, “com raras exceções, tem alguma dificuldade em se ater ao papéis previstos na Constituição para o Judiciário” e que um juiz “precisa se manter distante das partes e evitar se imiscuir no dia a dia da política”.

Módolo lembra que juízes não passam pelo crivo do voto periodicamente, o que os coloca em uma posição de poder desproporcional quando decidem se engajar na arena política.

“Os políticos renovam seus mandatos periodicamente, com um julgamento implacável vindo do público eleitor. E cada deputado ou senador é igual ao outro, não podendo prender ou multar o outro parlamentar. Quando um juiz adentra a refrega político-partidária, ele joga esse jogo em desigualdade com os demais. Ele pode investigar os agora colegas de política, pode prender e multar e os afastar do cargo, sendo que eles não podem sofrer as mesmas sanções e nem dependem de eleições para se manter onde estão”, afirma. “E quando começam a surgir ‘missões’ auto-outorgadas, não previstas na Constituição, a situação piora.”

Para o jurista, a normalidade institucional depende justamente de que os ministros deixem de lado este papel que não lhes cabe. “Quando estes juízes desistirem dessas missões que o povo não lhes atribuiu, o ambiente conturbado em que vive o Brasil começará naturalmente a se desanuviar.”