Após a bancada do PL anunciar que reuniu as assinaturas necessárias para aprovação do requerimento de urgência do projeto de anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), busca agora esvaziar o plenário como forma de tentar reduzir a pressão da oposição. Com isso, os deputados só devem retornar a Brasília a partir do dia 22, após o feriado de Tiradentes.
Motta chegou a cancelar a tradicional reunião de líderes desta quinta (10), pois já havia a expectativa de que o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), apresentaria o requerimento com as mais de 257 assinaturas necessárias para aprovação do pedido. Além de cancelar o encontro, o presidente da Câmara liberou os parlamentares para que votem pelo sistema remoto na próxima semana.
Segundo interlocutores de Motta, a estratégia é uma forma de tentar abaixar a temperatura, diante da mobilização do PL em torno do projeto da anistia. A avaliação agora é de que o deputado está em uma “sinuca de bico”, pois fez promessas distintas para a oposição e para o governo, quando ainda era candidato à presidência da Câmara.
Ao PL, que tem 92 deputados, prometeu que pautaria o projeto, enquanto sinalizou ao governo que não colocaria o tema em votação. Na segunda-feira (7), um dia após o ato pró-anistia em São Paulo, Motta sinalizou que o projeto encampado pela oposição poderia “gerar uma crise institucional”.
“Não vamos ficar restritos a um só tema, vamos levar essa decisão ao Colégio de Líderes, vamos conversar com o Senado e com os Poderes Judiciário e Executivo, para que uma solução de pacificação possa ser dada. Aumentando uma crise, não vamos resolver esses problemas, não embarcaremos nisso”, afirmou o deputado durante encontro com empresários na capital paulista.
Aliados de Motta, ouvidos pela reportagem, admitem nos bastidores que o presidente da Câmara estaria incomodado com a pressão do partido do ex-presidente Bolsonaro. A avaliação do entorno do deputado é de que o PL estaria tentando controlar a pauta da Casa e, por isso, ceder à pressão, neste momento, seria entregar a presidência ao partido de oposição.
Com os parlamentares fora de Brasília na próxima semana, Motta pretende buscar representantes do Executivo e do Judiciário para tentar costurar uma alternativa ao projeto da anistia. Antes disso, o presidente da Câmara já havia defendido que é “preciso sensibilidade” para corrigir algum exagero que esteja acontecendo em relação às penas dos envolvidos no 8 de janeiro de 2023. “Vamos conversar com o Senado e com os Poderes Judiciário e Executivo, para que uma solução de pacificação possa ser dada”, disse Motta.
Do outro lado, Sóstenes Cavalcante tentou amenizar o tom da cobrança nesta sexta-feira (11). Ele disse que o presidente da Câmara “tem compromisso com o PL desde sua eleição” por conta do apoio do dirigente do partido, Valdemar Costa Neto, e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Foi o primeiro aliado na eleição do presidente Hugo Motta. Nós nunca vamos expor o presidente Hugo Mota, ao contrário, ele é nosso aliado. E sabemos das expressões externas à Câmara, o que lamentamos”, disse em entrevista à CNN Brasil.
Na semana passada, porém, Sóstenes disse que Motta teria pedido pessoalmente aos líderes partidários que não assinassem o requerimento, o que obrigou os articuladores a intensificarem sua campanha pelas assinaturas pela urgência, fazendo até mesmo o corpo a corpo no aeroporto de Brasília. Com isso, conseguiu até o apoio de parlamentares de partidos da base governista.
Motta quer alternativa ao PL da anistia costurada com outros Poderes
O deputado vem defendo nos bastidores que haja uma alternativa ao PL da anistia costurada junto ao governo e ao Supremo Tribunal Federal (STF) em relação aos condenados, para que não haja uma crise insitucional.
Nesta semana, ao ser questionada sobre o tema, a ministra Gleisi Hoffmann, das Relações Institucionais, afirmou que a redução de pena “em relação a algumas pessoas do 8 de janeiro” pode ser “plenamente defensável do ponto de vista de muitos parlamentares e que talvez a gente até tenha que fazer essa discussão mesmo no Congresso”. Ou seja, a estratégia da esquerda seria tentar a substituição do PL da anistia por um acordo para a redução de pena de parte dos condenados do 8/1.
Gleisi chegou a afirmar que o governo poderia aceitar que o Congresso discuta uma possível anistia ou redução de penas, mas não a todos os envolvidos. A declaração, no entanto, teria causado mal-estar com ministros do STF. Posteriormente, ela mudou o tom e disse nas redes sociais que “eventuais revisões de pena aos réus do 8 de Janeiro cabem única e exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal, que conduz os processos”.
Independentemente disso, a bancada do PL tem rejeitado qualquer acordo sobre o tema e, nesta semana, o ex-presidente Jair Bolsonaro defendeu que a anistia precisa ser “ampla, geral e irrestrita”.
“A modulação não nos interessa. Redução de penas não nos interessa. O que nos interessa, sim, é anistia ampla, geral e irrestrita”, disse o ex-presidente durante evento organizado por um grupo de advogados da direita, em Brasília.
Bolsonaro entra em campo para tentar amenizar crise com Motta
Diante da resistência de Motta em relação ao projeto da anistia, o ex-presidente Jair Bolsonaro procurou o presidente da Câmara na última quarta-feira (9) para tratar sobre a proposta. Após o encontro, Bolsonaro afirmou ao podcast ‘Direto de Brasília’ que o parlamentar “sabe muito bem o que está acontecendo” e que “se a gente conseguir assinatura, ele vai botar em votação, eu tenho certeza disso”.
A avaliação da oposição é de que, ao conseguir os 257 votos, Motta vai levar o assunto ao colégio de líderes. Isso porque, segundo o deputado Sóstenes Cavalcante, uma vez atingido o quórum mínimo necessário, a decisão sobre pautar ou não passa a ser de responsabilidade de toda a Casa.
Além do tema da anistia, Bolsonaro também usou o encontro para tentar amenizar os efeitos das críticas feitas contra Motta por parte do pastor Silas Malafaia durante o ato da Avenida Paulista no último final de semana. Na ocasião, o líder religioso afirmou que o presidente da Câmara barrava o projeto e era uma “vergonha” para a Paraíba.
Segundo Bolsonaro, por não conhecer o funcionamento do Congresso Nacional, o pastor não entende que “não dá para resolver na pancada”. “Ele não sabe como funciona o Parlamento, com todo respeito. É um líder evangélico, cristão, psicólogo, mas não teve a vivência que eu tive de 28 anos de Parlamento, dois como vereador e quatro na Presidência. Não dá para fazer as coisas na base da pancada. Espana a rosca e não vai chegar a lugar nenhum”, afirmou.
O ex-presidente também atribuiu a ofensiva de Malafaia contra Motta ao temperamento e à personalidade do líder evangélico. “Ele tem seu comportamento. Quando estou com Malafaia, eu sou bombeiro, acredite se quiser. Ele fica indignado com muita coisa”, completou.
Apesar da atuação de Bolsonaro para tentar amenizar a crise, Malafaia voltou a criticar Motta nesta quinta pelas redes sociais. Na avaliação do pastor, o presidente da Câmara cancelou a reunião de líderes e suspendeu as sessões presenciais da próxima semana “para esvaziar o projeto da anistia”.
“Não adianta ele empurrar isso. Depois do dia 21, quando o deputado Sóstenes apresentar mais de 257 nomes que assinaram o pedido de urgência do projeto de anistia, vou fazer um vídeo mostrando, partido por partido, os deputados que assinaram e quem não assinou”, disse Malafaia.
Presidente da Câmara se contradiz ao pautar urgência de projetos do Judiciário
Uma das alternativas apresentadas por Motta aos parlamentares da oposição seria instalar uma comissão especial para discutir o projeto da anistia. O partido de Bolsonaro, no entanto, também rejeita o colegiado e defende a aprovação do requerimento de urgência como forma de acelerar o tramite da proposta.
“Para mim, vota-se, como já fizemos várias vezes na Câmara, urgência e mérito no mesmo dia para a gente enviar isso para o Senado”, disse o deputado Sóstenes Cavalcante. Ele afirmou que a tramitação da proposta de anistia no Congresso é uma “questão de dias ou semana”.
O presidente da Câmara vinha defendendo ao longo dos últimos meses que os pedidos de urgência não seriam pautados como forma de privilegiar as comissões da Casa. O mecanismo para acelerar a aprovação das propostas foi uma marca de seu antecessor, o deputado Arthur Lira (PP-AL), o que desagravada parte dos parlamentares.
Apesar da resistência em relação ao requerimento apresentado pela oposição, Motta pautou nesta semana o regime de urgência de quatro projetos que beneficiam diretamente o Poder Judiciário. A medida permite que as propostas sigam direto ao plenário, sem a necessidade de passar pelas comissões temáticas.
Um dos projetos cria 160 funções comissionadas no STF, distribuídas entre os gabinetes dos ministros. Os deputados também aceleraram a tramitação de uma segunda proposta que transforma 104 cargos de técnico judiciário (nível médio) em 63 cargos de analista judiciário (nível superior), no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A expectativa é de que o mérito das propostas entre na pauta da próxima semana, quando os deputados poderão votar pelo sistema remoto. A aprovação dos regimes de urgência, no entanto, foi alvo de questionamentos por parte dos deputados da oposição. A votação será remota, já que os parlamentares só devem retornar a Brasília após o feriado de Tiradentes.
“O que estamos vendo nesta Casa? Estamos vendo urgência para votar projetos de interesse de Cortes Superiores. Há projeto, por exemplo, para aumentar o número de cargos comissionados, mais estrutura, mais poder, mais regalias. Aí há urgência, mas e a anistia aos presos políticos, que é o clamor do Brasil? Cadê a urgência para isso? É por isto que o povo está nas ruas, porque sabe que há dois pesos e duas medidas no Brasil. O povo não aguenta mais ficar calado diante de tanta injustiça”, disse a deputada Clarissa Tércio (PP-PE).
Além dos projetos sobre o Judiciário, Motta também aproveitou a semana para fazer acenos ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Durante encontro com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, na terça-feira (8), o presidente da Câmara prometeu priorizar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública.
“Vamos analisar e propor as mudanças necessárias o quanto antes. O Brasil tem pressa para avançar com esta pauta. Não podemos rejeitar uma proposta só porque foi elaborada pelo governo. Não dá para gostar ou não gostar de algo que nem chegou ao Legislativo”, disse Motta.