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Ministros destacam 8/1 e risco de ditadura para tornar Bolsonaro réu por golpe

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No julgamento em que, por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tornou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) réu por suposta tentativa de golpe, os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin destacaram, em vários trechos dos votos, a violência dos atos de 8 de janeiro de 2023 e também o risco que havia, segundo eles, da instauração de uma nova ditadura no país.

A presença de violência ou grave ameaça é um elemento necessário para a configuração dos crimes de golpe de Estado, definido pela tentativa de depor o governo; e de abolição do Estado Democrático de Direito, que é a tentativa de impedir ou restringir o exercício dos poderes (Executivo, Judiciário ou Legislativo).

Não à toa, nas defesas apresentadas após a denúncia, nas sustentações orais e mesmo após a decisão, nesta quarta-feira (26), pela abertura de uma ação penal, os advogados de Bolsonaro e de outros réus tentaram desvinculá-los da invasão e depredação das sedes do STF, do Congresso e do Palácio do Planalto.

Na saída do julgamento, o advogado que chefia a defesa de Bolsonaro, Celso Vilardi, disse ser “preocupante” Moraes ter apresentado como prova de materialidade dos crimes – requisito necessário para o recebimento da denúncia, ato que torna os acusados réus – vídeos com cenas do tumulto ocorrido na praça dos Três Poderes.

“Quando se fala da materialidade, retratada por filme, estamos falando do 8 de janeiro, que é algo que o presidente não está envolvido, não esteve envolvido. Só na denúncia é que surge esse envolvimento, porque nem no relatório da Polícia Federal surgiu. Criou-se uma narrativa do 8 de janeiro para envolver o presidente. A materialidade que foi dita hoje nesse julgamento é a do dia 8 e isso o presidente não tem, nem remotamente, algum envolvimento”, disse o advogado após a sessão.

Como mostrou a Gazeta do Povo, as defesas de vários réus já haviam tentado, nas respostas à denúncia, afastar a participação deles no ato. A defesa de Bolsonaro citou “live” do dia 30 de dezembro de 2022, que transmitiu antes de viajar para os Estados Unidos, em que ele reconhecia a derrota e desestimulava atos violentos.

Outros réus ressaltaram a ausência, na investigação, de provas de que tenham dado ordens diretas para os manifestantes atacarem as sedes dos poderes.

Durante o julgamento, porém, todos os ministros da Primeira Turma destacaram o 8 de janeiro. No início do voto, Moraes disse que, nas 474 ações penais contra os invasores já julgadas pelo STF, houve o reconhecimento da materialidade dos crimes de golpe e abolição da democracia. Depois, repetiu que o ato não foi um “passeio no parque”.

“Ninguém, absolutamente ninguém estava passeando, porque tudo estava bloqueado, e houve necessidade de romper as barreiras policiais. Algumas delas aparentemente foram abertas, mas vários policiais se insurgiram contra isso e foram agredidos. O símbolo foi uma policial militar cujo capacete foi arrebentado com uma barra de ferro.”

“Há um policial que foi retirado de seu cavalo e agredido violentamente. Nossos policiais judiciais gastaram toda sua munição não letal e bombas de efeitos moral para não deixarem invasores invadirem nesse anexo 2 e destruírem documentos. É impossível dizer que não houve violência e grave ameaça”, disse em seguida.

Ao exibir cenas do ato, falou em “uma verdadeira guerra campal”, “tentativa de golpe de Estado violentíssimo”, “fogo”, “destruição do patrimônio público”, “violência selvagem e incivilidade total, com pedido de intervenção militar e golpe de Estado”.

Rechaçou a ideia de que os ataques foram feitos com bíblia na mão e batom – referência a idosas religiosas presentes e à cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, presa por escrever com batom a expressão “perdeu, mané” na estátua da Justiça.

Em seu voto, Flávio Dino apontou que, nas sustentações, a maioria dos advogados não tentaram descaracterizar a materialidade dos crimes do dia 8 de janeiro, mas afastar a ligação dos acusados com o ato. Depois, rebateu a ideia de que não havia armas, fazendo referência à invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021, em que autoridades destacaram o uso de machados e facas, por exemplo.

“É esse conceito de armas que estamos tratando aqui”, disse, acrescentando depois que, no acampamento em frente ao QG do Exército, onde estavam antes os invasores, havia policiais e militares, “e esses só andam armados, sejam da ativa ou reformados”.

Ele também argumentou ser possível haver “dupla tipificação”, ou seja, as pessoas serem acusadas de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito de forma simultânea. Enquanto o primeiro crime estaria caracterizado pela tentativa de depor o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o segundo estaria na tentativa de impedir o funcionamento do STF e do Congresso com a invasão. “Em tese é possível”, disse.

Ministros citam risco de nova ditadura

Em seus votos, os ministros também ressaltaram que, no entender deles, havia risco de instauração de um novo regime autoritário, a exemplo da ditadura militar. Disseram que essas tentativas não podem ser tratadas como crimes menores.

“Se diz que não morreu ninguém. No dia 1º de abril de 1964 também não morreu ninguém. Mas centenas ou milhares morreram depois. Golpe de Estado mata, não importa se no dia ou anos depois”, afirmou Flávio Dino. “Golpe de Estado é coisa séria. É falsa a ideia de que golpe de Estado, ou tentativa de golpe, é infração de menor potencial ofensivo, ou de crime de menor gravidade”, completou depois.

Moraes disse que Débora Rodrigues dos Santos não estava apenas pichando uma estátua.

“É um absurdo as pessoas quererem comparar aquela conduta, de uma ré que estava há muito tempo dentro dos quartéis, pedindo intervenção militar, que invadiu junto com toda a turba, e além disso praticou dano qualificado, com uma pichação de um muro. As pessoas não podem esquecer, relativizar […] A questão dos fatos, temos que admitir os fatos, não foi uma simples pichação, houve toda a manifestação já anterior de aderir à tentativa de golpe de Estado, de ficar nos acampamentos, de invadir com violência e pichar”, afirmou.

Era uma resposta a Fux, que em seu voto justificou o pedido de vista no julgamento de Débora, quando Moraes e Dino já haviam votado por pena de 14 anos de prisão. Fux considerou que a pena proposta pode ter sido “exacerbada” e que, no momento de aplicar uma pena, o juiz deve agir com “humanidade”.

Antes, disse que os atos de 8 de janeiro de 2023 não podem ser esquecidos. “Eventualmente se poderia deixar cair no esquecimento o movimento contra o Estado de Direito e nossa democracia. O maior perigo é o da indiferença. Posso dizer que realmente conquistamos a democracia com lutas e barricadas”, disse Fux.

Ele lembrou que, em 7 de setembro de 2021, quando presidia o STF e Bolsonaro fez manifestações em Brasília e São Paulo com duras críticas à Corte, houve manifestantes na Esplanada com intenção de demolir a Corte com caminhões. “Esses episódios contra nossa democracia serão marcantes dia após dia. Todos os dias serão de lembrança do que ocorreu. Não se pode dizer de forma alguma que não aconteceu nada”, disse.

Ao votar, Cármen Lúcia disse que um golpe não se consuma num dia ou numa semana. Citou obra da historiadora Heloísa Starling, “A máquina do golpe”, em que relata que o golpe de 1964 resultou de uma sucessão de crises institucionais desde a década de 50. Argumentou com isso que o 8 de janeiro foi o estopim de um movimento anterior.

Relatou que, a seu pedido, Moraes antecipou de 19 para 12 de dezembro a diplomação de Lula porque “não parecia que estava todo mundo acolhendo tranquilamente” a eleição do petista, numa referência às manifestações em frente aos quartéis. “Se eu desenrolar do dia 8 para trás, as pessoas por acaso vieram mesmo para uma ‘festa da Selma’”, afirmou, numa referência a convocações para o ato.

Disse que no período eleitoral houve tentativa de impedir eleitores de votar – a denúncia aponta tentativa da Polícia Rodoviária Federal de reforçar a fiscalização de ônibus com eleitores no Nordeste – e as manifestações de descrédito da urna eletrônica. Depois, ressaltou também a gravidade de uma tentativa de golpe.

“Ditadura mata. Ditadura vive da morte, não apenas da sociedade, não apenas da democracia, mas de seres humanos de carne e osso, que são torturados, mutilados, assassinados toda vez que contrariar o interesse daquele que detém o poder, para seu próprio interesse. Não é para o bem público, para o benefício de todos”, disse.

Participação de cada réu em dois crimes será aferida no processo

Em vários momentos do julgamento, os ministros afirmaram que a participação de cada réu será aferida durante o processo, na ação penal que será aberta. Nesse momento, disseram os ministros, os advogados terão acesso ampliados às provas brutas colhidas pela Polícia Federal, e não somente aos relatórios da investigação.

Durante o inquérito e após a denúncia, vários advogados se queixaram de não ter acesso à íntegra das conversas de WhatsApp dos acusados. Alegaram que a denúncia se baseou na interpretação da PF sobre os diálogos e que a visão integral sobre eles poderá revelar outro contexto, que demonstre que não houve intenção de golpe.

“O alerta que estamos fazendo desde a apresentação da defesa e na sustentação oral de ontem é o que aconteceu hoje: [apresentação] de trechos de diálogos. Esses trechos estão dentro do contexto, fora do contexto, tem alguma coisa a mais ou a menos? Nós não sabemos. Esperamos que tenhamos a partir de agora uma plenitude de defesa, que é o que determina a Constituição Federal”, disse Celso Vilardi, um dos advogados de Bolsonaro.

Ele também chamou a atenção para trecho do voto de Fux em que questionou a possibilidade de acusar e condenar os réus por golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito de forma simultânea. “Fez posicionamento absolutamente correto não só sobre a dosimetria, mas principalmente sobre a questão dos dois delitos que estão sendo imputados, porque existe uma conflitância entre esses dois delitos.”

No julgamento das primeiras ações penais contra os invasores de 8 de janeiro, no plenário, os ministros Luís Roberto Barroso e Cristiano Zanin votaram pela condenação em apenas um dos crimes, o que reduziria as penas dos condenados, sob o argumento de que a abolição do Estado Democrático de Direito absorve o crime de golpe.