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Os anistiados de 1979 se tornaram os ditadores de hoje

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Durante a manifestação pela anistia dos presos do 8 de janeiro, e mesmo com a patética orientação de não se levar cartazes, alguém usou uma cartolina e um pincel atômico azul para escrever que “os anistiados de 1979 se tornaram os ditadores de hoje”. Infelizmente não tenho a imagem, mas você a encontra facilmente por aí.

Concordo e me parece difícil discordar do autor do cartaz. Principalmente depois que Marcelo “Ainda Estou Aqui” Rubens Paiva andou fazendo campanha contra a anistia de gente como a cabeleireira Débora Rodrigues. Que, ao contrário do pai do cadeirante, comunista notório que queria instalar no Brasil uma ditadura do proletariado, apenas escreveu “Perdeu, mané!” naquela estátua feia e cafona em frente ao STF.

Não me conformo. E não me conformo justamente porque Marcelo Rubens Paiva sabe melhor do que eu e você a dor que é perder um ente querido para o Estado hiperpoderoso, cruel, perverso e autoritário. Tampouco me conformo com o silêncio da esquerda festiva, dos Caetanos, Gils e Chicos da vida. Afinal, eles sabem que o “perdeu, mané” da cabeleireira nunca teve esse poder revolucionário todo que os canalhas atribuem ao ato que, se tivesse sido cometido por alguém de esquerda, seria considerado uma “instalação revolucionária que denuncia o sistema opressor, blá, blá, blá” e talvez estivesse até exposta em Inhotim.

Aqui vale notar que o “perdeu, mané” da Débora é catártico e até espirituoso. Ao contrário do “perdeu, mané” original, aquele que Barroso esfregou na cara da sociedade enquanto curtia um privilégio em Nova York. Esse, sim, é um ato que transborda soberba, ressentimento, violência e desejo de vingança. Ou seja, é fruto da mentalidade revolucionária que, pasmem!, ocupa o posto mais alto do Judiciário brasileiro.

Gabeira

De volta ao cartaz, porém, fiquei pensando na lenta construção das circunstâncias capazes de transformar em ditadores os anistiados de 1979. Não, esquece! Não vou continuar esse raciocínio, que culminaria numa crítica aos meus professores. Porque acabei de me lembrar do Gabeira e, mais do que Rubens Paiva, o Gabeira ser contra a anistia (ou não se manifestar claramente a favor dela – dá no mesmo) é de uma incoerência sem tamanho. Ou melhor, desse tamanho assim, ó.

Gabeira fez parte do grupo que sequestrou o embaixador americano Charles Burke Elbrick, lá no longínquo ano de 1969. O crime (e acho que ninguém vai discordar se eu disser que um sequestro é beeeeeeeeeem mais grave do que uma pichação numa estátua feiosa) virou até peça de propaganda filme. Bom filme, aliás, que a direita deveria assistir para entender como é até natural (sim, natural) que os anistiados de 1979 se tornassem os ditadores de hoje. Meu amigo, esse sempre foi o objetivo.

Sacripanta

Definitivamente, o grito de “sem anistia” dos ex-revolucionários de esquerda, dados a assaltar, sequestrar e matar em nome da ditadura do proletariado, nada mais é do que sem-vergonhice. Patifaria. Coisa de sacripanta – palavra feia, mas gostosa de dizer. É a submissão total de qualquer resquício de humanidade à ideologia. (Não que já não soubéssemos disso, mas que fique registrado). Coisa de quem, aos 84 anos, não aprendeu nada nada nada. Impressionante.

Quanto ao cartaz que diz que os anistiados de 1979 são os ditadores de hoje, só vejo um probleminha nele. É que, ao fazer o diagnóstico certo do presente, ele ignora o futuro ameaçador que (sem querer) prenuncia. Afinal, o cartaz pode ser interpretado como um agourento sinal de que o ciclo de vingança, violência e ressentimento políticos não terá fim tão cedo. E que os que pedem anistia em 2025 podem vir a se tornar os ditadores daqui a 40 ou 50 anos. Ou você duvida?

Fetiche & perversão

Eu não duvido. Até porque a defesa plena da democracia como “a única forma de governo que respeita plenamente a dignidade humana e permite aos cidadãos desenvolverem ao máximo as suas potencialidades”, ainda não pegou por aqui. E, vamos combinar?, esse STF que está aí, ao tratar a democracia como uma palavrinha da moda, como um fetiche e uma perversão, não ajuda a fomentar cultura democrática nenhuma.

Em algum momento, porém, esse ciclo terá de ser rompido. E não será com a hegemonia de um grupo supostamente virtuoso, a direita liberal conservadora cristã tal e tal, e sim com (1) o fim da cultura do medo e (2) a recusa, nem que doa, em continuar com o ciclo de vingança, violência e ressentimento e vingança, violência e ressentimento e. Não sei se ainda estarei aqui para ver isso, mas acordei otimista hoje. Então.