BRASÍLIA – Elaborada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como promessa de ajudar a resolver a gestão da segurança pública, a proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre o tema virou um cabo de guerra. Enquanto o Palácio do Planalto quer maior autonomia para enfrentar o crime organizado, governadores tentam manter as atribuições das polícias federais e aumentar o controle sobre recursos da União.
A reação de Estados fez com que o texto voltasse para o gabinete do ministro Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) após passar por uma rodada de reuniões e recepção de propostas de entidades estaduais, municipais e setoriais, desde a reunião convocada pelo presidente Lula com os governadores no fim de outubro. O ministério tenta chegar a um consenso entre as ideias sugeridas para tirar a proposta da gaveta. Procurado para comentar o impasse vivido pela PEC, o MJSP não respondeu.
Na semana passada, os governadores de 26 unidades da federação entregaram a Lewandowski um documento elaborado pelo Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), sugerindo uma série de alterações na PEC. O único a discordar foi o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), que entregou uma versão própria do projeto.
Entre as mudanças substanciais sugeridas pelos governadores estão a de priorizar a atuação conjunta e coordenada das polícias estaduais no enfrentamento a milícias, em detrimento da ideia de Lewandowski de fortalecer a atuação da Polícia Federal (PF). O plano do MJSP também passa por turbinar as competências da Polícia Rodoviária Federal (PRF), tornando-a uma corporação de caráter mais ostensivo, tal como as polícias militares – mas sem diminuir o poder estadual de policiamento, o que é motivo de desentendimento com os chefes estaduais.
Os governadores querem garantir aportes mínimos nos dois fundos de financiamento da segurança pública (o Fundo Nacional de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário Nacional) e participação paritária dos Estados e Distrito Federal nos comitês gestores desses recursos – que hoje funcionam no âmbito do MJSP. Eles também pedem subsídios fiscais aos entes que contribuírem com o Sistema Único de Segurança Pública (Susp).
Integrantes do MJSP são contra conferir aos governos estaduais poder de gestão sobre os repasses federais, uma vez que o diretor do fundo é quem se responsabiliza perante o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério Público Federal (MPF). Eles alegam ser “juridicamente inviável” dividir a gestão do fundo, mas veem com bons olhos uma participação paritária em âmbito opinativo.
O Conselho Nacional de Segurança Pública, que formula diretrizes para políticas públicas, também entrou na mira dos governadores, que querem maior espaço no colegiado. Hoje, dos 40 membros do conselho, o governo federal tem 13 cadeiras, enquanto Polícias Civis e Militares, Corpos de Bombeiros e secretários estaduais somam quatro lugares.
Secretário-executivo do Conselho da Federação, colegiado criado pelo governo Lula para fortalecer o diálogo com Estados e municípios e que funciona no âmbito da Secretaria de Relações Institucionais, Rafael Bruxellas diz existir hoje um consenso na discussão da PEC: a necessidade de se constitucionalizar o Susp. Para ele, o maior nó a ser desatado hoje é decidir quais pontos podem ser protelados para serem regulamentados após uma eventual aprovação da proposta.
“Tem uma disposição exacerbada de tentar resolver todo o problema da segurança pública (na PEC). Ainda tem para dirimir o que de fato faz sentido ir para a Constituição Federal e o que é infraconstitucional. Tem Estado que acha que a forma de financiamento dos fundos tem que ser constitucional, tem Estado que acha que não”, diz Bruxellas, incumbido de se reunir com entidades diferentes nos últimos dois meses para receber propostas.
Após uma participação ácida na reunião com Lula e os demais governadores no Palácio do Planalto, Caiado é quem mais se coloca como opositor à PEC de Lewandowski. O governador, para quem a proposta usurpa o poder dos Estados de atuarem em segurança pública, tem reiteradamente criticado o projeto. Ele vem se posicionando como possível candidato à presidência da República em 2026, em que pese ter sido condenado nos últimos dias na Justiça Eleitoral e se encontrar inelegível, o que pode ser revertido em instâncias superiores.
A minuta paralela da PEC entregue por Caiado ao governo Lula enaltece estatísticas criminais de Goiás, critica o que considera ser uma inaptidão da União para combater o crime organizado e pede mais dinheiro para construir e melhorar a infraestrutura prisional.
“É possível afirmar que a almejada reforma constitucional proposta pelo governo federal institui verdadeira relação de subordinação dos Estados e municípios à União em matéria de segurança pública, quando o contrário é que deve ocorrer, em nome da descentralização, eficiência e, logo, mais democracia”, critica o texto enviado pelo goiano.
Mário Sarrubbo, secretário nacional de Segurança Pública no MJSP, defende a aprovação da PEC para traçar diretrizes gerais e avançar com medidas como a padronização de dados criminais, cujos critérios variam em cada Estado. Sem um banco de dados unificado de estatísticas, especialistas dizem ser mais difícil traçar estratégias para o combate à criminalidade.
“O que se percebe é uma preocupação muito grande (dos governadores) com algo que, na nossa visão, não deveria ser preocupação, que é a (suposta) invasão da autonomia dos Estados. A PEC, na verdade, quer apenas a possibilidade de coordenação no sentido que se possa traçar diretrizes genéricas, que seriam construídas no Conselho Nacional de Segurança Pública, para que o Brasil pudesse ter um pouco mais de unidade em seus projetos de segurança pública”, afirmou em entrevista à GloboNews na última sexta-feira, 20.
*Com informações oestadão