E em 2021, para comemorar os então 90 anos do ídolo, o Esporte Espetacular mergulhou a fundo na sua vida trazendo história não tão conhecidas – como os títulos de tênis de mesa pelo América, o apelido dado por Garrincha e uma homenagem do Bangu em 1989 – e um lado B daquelas tão famosas, como “Vocês vão ter que me engolir”, o gol de Petkovic em 2001 pelo Flamengo e as cobranças de pênaltis contra a Holanda, na Copa de 98.
Tudo isso para homenagear um brasileiro que foi sinônimo de sucesso e dedicação.
– Na minha vida, eu enxerguei longe. Se ia acontecer ou não, era um ponto de interrogação. Eu tinha na minha cabeça chegar à Seleção ainda garoto. Mudei de posição: de camisa 10 para 11, que era ponta esquerda. Eu pensei: “Com a 10, eu não vou chegar na Seleção, mas com a 11 eu tenho chance” – recordou Zagallo,.
A primeira parada na história de Zagallo aconteceu na Tijuca, bairro da zona norte do Rio de Janeiro. Mais especificamente na Rua Professor Gabizo, a pouco mais de um quilômetro do Estádio do Maracanã. Segundo o jornalista José Trajano – tijucano e ilustre torcedor do América -, a história do Velho Lobo com o clube alvirrubro começou bem antes dos seus passos em um campo de futebol oficial.
– O América era o clube da Tijuca, então o Zagallo virou sócio do América. O pai dele era sócio e ele praticou vários esportes. Mas se destacou, antes do futebol, no tênis de mesa. Ele chegou a ganhar títulos. Se não me engano, não títulos de primeira divisão, mas títulos de tênis de mesa juvenil – lembrou José Trajano.
Do América, Zagallo se transfere para o Flamengo em 1950. Fica no Rubro-Negro até a Copa de 58, quando conquistou seu primeiro título mundial. Apesar da polivalência, o Velho Lobo tinha um rival de peso na titularidade da Seleção Brasileira: Pepe, o “Canhão da Vila”. Ponta esquerda do Santos, segundo maior artilheiro da história do Peixe – atrás apenas de Pelé – e dono da camisa 11 do Brasil até os preparativos para os Mundiais da Suécia (1958) e do Chile (1962).
– Em 58, antes de ir pra Suécia, jogamos dois jogos na Itália. Eu era titular, né? E me contundi. Levei um trombaço no tornozelo direito. Uma semana depois ia começar a Copa: eu só fazendo tratamento com gelo e o tornozelo não ficou bom. E aí o Zagallo entrou. Foi aí que a seleção ganhou a Copa. Sessenta e dois foi o joelho. Correndo eu tive uma torção no joelho Aí você sabe como é Copa do Mundo: é um campeonato curto. Então o treinador, com muita razão, preferiu um jogador que estivesse 100% e o Zagallo entrou. Eu tive que me sagrar bicampeão mundial sem jogar – disse Pepe.
Ao voltar da Copa de 1958, Zagallo assinou com o Botafogo. Ali jogou ao lado de lendas do futebol brasileiro como o lateral esquerdo Nilton Santos, o meia Didi e os pontas Garrincha e Jairzinho. Em uma época em que o time treinava ainda em General Severiano (sede do clube), o Furacão da Copa de 70 lembra que pulava o alambrado para ver o Velho Lobo treinar. Com um clima de muita amizade, Garrincha logo apelidou Zagallo.
– No próprio futebol hoje, não existe um jogador que tinha um condicionamento aeróbico e anaeróbico como o Zagallo desenvolvia. O Garrincha chamava o Zagallo de Vermelhão, porque o Zagallo transformava a cor dele jogando. E o Garrincha chamava ele de camarão. Ele corria muito, ele ficava vermelho – brincou Jairzinho.
Após se aposentar dos gramados, Zagallo vira treinador das divisões de base do próprio Botafogo. Após boas campanhas no juvenil, ele assume o time profissional e vence dois Campeonatos Cariocas e uma Taça Brasil. Seus bons resultados e sua história com a Seleção Brasileira o levam a substituir João Saldanha antes da Copa de 1970, no México. Ao assumir o time – que havia se classificado de maneira invicta nas Eliminatórias -, ele faz mudanças no plantel e conquistou o seu terceiro mundial, agora à beira do campo.
– A minha história com o Zagallo é na semifinal da Copa de 70, contra o Uruguai. Em um momento complicado, o Brasil perdia por 1 a 0 e meu mestre pensando ali em me substituir. O Gerson e o Carlos Alberto conversando com o Zagallo falaram: “Vamos fazer uma tentativa antes dessa substituição, vamos adiantar o Clodoaldo e eu fico um pouco mais”. Então eu comecei a me lançar a frente e tive a grande felicidade já no final do primeiro tempo de empatar o jogo. A equipe voltou no segundo tempo e vencemos por 3 a 1. E eu falei pro Zagallo: “Você é um homem de sorte mesmo, porque eu ia sair do jogo, não sei o que poderia ter acontecido. Mais uma vez, o 13 funcionou” – detalhou Clodoaldo, volante de 1970.
Mesmo quando não estava em campo vestindo a camisa da Seleção ou no banco de reservas comandando a Seleção Canarinho, Zagallo também participou de Mundiais. Em 1986, à convite da TV Globo, o Velho Lobo foi um dos comentaristas do Mundial do México. Ao lado de Galvão Bueno, Osmar Santos e Rubens Minelli, Zagallo fazia os comentários dos jogos do Brasil e de outras seleções.
– Eu tive a honra na Copa de 86 de ter Zagallo como comentarista. Isso é um privilégio, uma coisa espetacular. E era a volta dele para o México, depois da Copa de 70. Então, eu me lembro de almoços e jantares junto com o Minelli e com o Zagallo, e o Zagallo contando histórias de 70 com lágrimas nos olhos. É o amor que ele sempre teve pela Seleção. Eu me lembro de um jogo, especificamente, uma goleada da Dinamarca em cima do Uruguai, quando o mundo viu pela primeira vez o 3-5-2. Rapidinho, o Zagallo identificou. Ele falou: “Opa, tem alguma coisa diferente aqui.” – detalhou Galvão Bueno.
Vocês vão ter que me engolir
Depois de conquistar o seu quarto título mundial, na Copa de 1994, Zagallo assumiu mais uma vez o comando técnico da Seleção Brasileira. Após a parceria com Carlos Alberto Parreira nos Estados Unidos, era a hora do Velho Lobo preparar o time para a Copa da França, em 1998. Mas um ano antes, o Brasil jogou uma Copa América na Bolívia, com muita pressão política e marcada por um “Vocês vão ter que me engolir”. Depois de um campeonato quase perfeito, o desabafo veio nos microfones de Tino Marcos, ex-repórter da TV Globo.
– A Seleção tinha virado uma página de 24 anos sem ganhar. Você imagina que um cara do tamanho do Zagallo ia estar muito bem, se preparando pra uma Copa do Mundo, mas não é o que acontece. Ele chega já trazendo um desgaste de várias competições, jogos anteriores e o Zagallo chega pressionado na Copa América. Se você olha pros resultados daquela Copa America você vê algo muito parecido com a perfeição dos números e uma final contra a Bolívia. Depois do jogo , nós todos maltratados pela altitude, com dor de cabeça, doidos pra nos livrar daquela situação. Eu vi o Zagallo com uma expressão muito tensa e com uma coloração meio arroxeada. E eu me aproximo dele, antes de começar a entrevista e pergunto a ele: “Dá pra falar?” e ele diz “Posso falar, sim”. Acabou virando uma grande marca do Zagallo: eu já vi pessoas se aproximarem do Zagallo e pedirem um vídeo pra ele: “Fala aí pra mim um você vai ter que me engolir” – relembrou Tino.
Depois do título da Copa América, o Brasil ia bem na Copa do Mundo da França. Depois de vencer a Escócia e o Marrocos na primeira fase (além de uma surpreendente derrota para a Noruega), a Seleção goleia o Chile na oitavas de final e bate a Dinamarca nas quartas. Até chegar à semifinal, contra a forte Holanda, dos irmãos De Boer, Cocu, Overmars e Bergkamp. Depois de um empate em 1 a 1 no tempo normal, a decisão foi para os pênaltis. E aí foi que o show do Velho Lobo apareceu: com palavras fortes de incentivo, ele foi gritando com os jogadores um a um. Passou por Rivaldo, Ronaldo, até chegar em Taffarel.
– Quando ele falava com a gente, parecia que ele já sabia o resultado, ele tinha uma certeza: ”Nós vamos ganhar, acreditem, nós vamos ganhar”. E aquela imagem que ele vem e me pega no rosto, me dá uma chacoalhada tão grande: “Vou ter que fazer alguma coisa, porque depois dessa acordada aqui, eu estou pronto”. Esse era o Zagallo, essa vibração que vinha dele, não era uma coisa assim para uma imagem, não era para um momento assim, uma coisa normal que a pessoa vai abraça e dá força. É uma energia que acho que ele sempre teve. Bah, foi muito legal ter esses momentos com o Zagallo – contou Taffarel.
Número 13
Desde os primeiros passos como treinador no juvenil do Botafogo até o fim de sua vida, o número 13 sempre esteve presente na vida do Velho Lobo. Com frases lembrando a sorte que o número te trazia, Zagallo tem fé no 13 e em Santo Antônio.
– Minha mãe era devota de Santo Antônio, santo celebrado no dia 13 de junho. Então, meu pai foi convidado lá no juvenil do Botafogo pra ser técnico do profissional: ele botou a camisa 13 nas costas. Começou a ganhar e tudo virou 13. Meu pai vai somar uma frase e é 13, o carro da frente tem a placa 13… Graças a Deus, que o 13 está presente na nossa vida – detalha o filho Mario Cesar Zagallo.
*Com informações GLOBOESPORTE.COM