O alerta veio em junho, em um relatório da Unesco destacando que um em cada quatro países restringiam de alguma forma o aparelho nas escolas. Na terça-feira, os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) de 2022, mostraram que os celulares e aparelhos eletrônicos impactam na capacidade de os alunos brasileiros prestarem atenção nas aulas. O problema indica porque proibições parciais ou totais de uso do celular em condados dos Estados Unidos, ou em países como a França, se tornaram tema de debate e norma entre escolas particulares e públicas no Brasil.
No Rio, a tradicional escola São Vicente de Paulo, anunciou que os alunos estão proibidos de usar o aparelho em todas as suas dependências, seguindo uma medida que já havia sido adotada por mais outros dois colégios: o Instituto GayLussac, em Niterói, e o Suíço-Brasileiro. Em São Paulo, instituições também têm buscado maneiras de lidar com o uso excessivo.
Especialistas consideram a restrição positiva, pois mesmo no recreio o celular é prejudicial para a socialização. Mas há pedagogos que reconhecem que o telefone pode ser um instrumento de apoio ao ensino e proibi-lo totalmente não combina com o cotidiano dos estudantes.
A Secretaria Estadual de Educação de São Paulo permite o uso em sala de aula “exclusivamente para finalidades pedagógicas”, para apoiar “a integração das tecnologias e o uso de aplicativos em prol do fortalecimento das práticas pedagógicas e dos processos de ensino”. A Secretaria Municipal de Educação proíbe apenas para a sala de aula, de acordo com uma lei de 2009. Os professores podem pedir que os alunos usem os aparelhos para atividades pedagógicas.
Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceipe), considera que o celular reduz a capacidade de aprendizado e também prejudica a socialização de crianças.
— Nós, adultos, temos dificuldade de lidar com o celular e nos distraímos. Imagina para crianças, que ainda não têm o córtex pré-frontal maduro, a parte do cérebro que cuida da regulação e disciplina. E por que não autorizar só para o recreio? Porque o recreio é muito importante para que a criança brinque ao ar livre, tenha interações, interaja e converse — destaca.
Costin defende que o celular deve ficar em casa e, quando for necessário equipamentos digitais, a escola pode fornecê-los.
A pedagoga Ana Cláudia Leite, consultora de educação do Instituto Alana, avalia que, sozinha, a proibição ao uso de smartphones “talvez não seja o melhor caminho”.
— A tecnologia pode ser um recurso benéfico e agregar na experiência dos alunos em sala de aula. Seria mais interessante conversar, promover palestras sobre os impactos nocivos disso para incentivar o bom uso da tecnologia.
O uso do celular com limitações na sala de aula é a regra no país, segundo a pesquisa TIC Educação 2022, lançada em outubro pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). Dos alunos entrevistados, 64% disseram que podem usar o aparelho móvel apenas em determinados espaços ou horários nas escolas, e 28% disseram que não podem usar de forma alguma. Apenas 8% são autorizados a usar o telefone em qualquer espaço e qualquer horário. O levantamento considera escolas públicas e privadas, de áreas urbanas e rurais, de todas as regiões do país.
Maira Piovezana, diretora pedagógica da rede Escola Mais, com oito unidades em São Paulo e uma em Joinville (SC), afirma que o celular é constantemente debatido com os pais dos alunos. Maira diz que a proibição do celular nem sempre é o melhor caminho:
— É um problema, interfere na concentração, e a gente tem tratado isso de forma mais aberta. A proibição às vezes não funciona. O aluno precisa aprender a importância de se relacionar, do conviver, em vez de ficar no celular, mas é algo da atualidade.
No Colégio Equipe, em Higienópolis, no Centro de São Paulo, até 2022, alunos a partir do 6º ano podiam levar os aparelhos para a escola, mas não podiam mexer neles na sala de aula. Desde o começo deste ano, a regra mudou para os mais novos.
— A partir do 8º ano, é permitido o uso no intervalo. Os mais velhos não têm uma relação tão compulsiva com as telas, mas a gente está repensando essa regra de permitir no intervalo, porque vimos benefícios nas turmas menores do ponto de vista da sociabilidade, da interação — explica Mariana Doneux, orientadora educacional do Fundamental II do Colégio Equipe.
Quando o estudante descumpre a regra, na primeira vez, o aparelho é recolhido e levado à secretaria, e o próprio aluno pode retirá-lo no fim do dia. Na segunda vez, o responsável é quem busca e, em caso de uma nova reincidência, os alunos são temporariamente proibidos de levar o celular para a escola.
Experiências
Em Campinas (SP), o colégio particular Progresso Bilíngue adotou de junho de 2022 até meados deste ano uma restrição parcial nos intervalos das aulas: às terças e quintas-feiras, os dispositivos eram proibidos. A estudante Alice Santana, de 15 anos, conta que a medida não visava à punição de quem a descumprisse, e avalia positivamente a experiência:
— Dentro da sala de aula, o celular funciona como uma ferramenta de trabalho quando temos a autorização do professor. Criaram essa regra como uma forma de fazer com que as pessoas se enturmassem e conversassem mais. Não vi muita gente reclamando, acho que não atrapalhou.
Na Escola Parque, no Rio, a instituição fez um teste com os alunos do Fundamental 2 para incluir a restrição no recreio, quando os celulares passaram a ser recolhidos.
— Foi bastante positivo. Há turmas que, por vontade própria, desligam seus celulares. Atualmente, a Parque proíbe o uso dos celulares no 6º e 7º anos. No 8º e 9º anos, a previsão é que isso ocorra em 2024 — diz Thiago Vedova, Orientador Docente e Pedagógico.
PROIBIR OU NÃO PROIBIR?
Segundo a ONU, um em cada quatro países tem leis que proíbem smartphones em escolas.
Celulares nas escolas de outros países
- Estados Unidos: em maio, a Flórida aprovou lei para exigir que escolas distritais imponham regras para barrar o uso de celulares nas aulas.
- França: Desde 2018, o uso é proibido para estudantes com menos de 15 anos. Pode ser usado por alunos com deficiência ou no aprendizado.
- Holanda: O governo determinou às escolas alinhar regras de uso com pais, professores e alunos, para avaliar no fim do ano letivo de 2024-2025 a medida
- Canadá: Smartphones foram banidos total ou parcialmente em algumas províncias
O que dizem os defensores da proibição?
- Celulares atrapalham a socialização
- Aparelhos prejudicam capacidade de concentração
O que dizem os defensores da liberação?
- Tecnologia pode ser aliada na aprendizagem
- Proibição priva alunos do direito à comunicação
Impacto em sala de aula – 45% dos estudantes brasileiros na faixa dos 15 anos relataram distração ao usar aparelhos eletrônicos nas aulas de Matemática.
Escolas do Rio
- São Vicente de Paulo Proibição nas dependências do colégio.
- Instituto GayLussac Proibição nas dependências do colégio.
- Suíço-Brasileiro Proibição nas dependências do colégio.
- Escola Parque Proibido a alunos do 6° e 7° ano. Restrição se ampliará a estudantes do 8° e do 9° a partir de 2024.
Escolas de São Paulo
- Colégio Equipe Uso proibido para todas as séries abaixo do 8° ano. A partir daí, podem ser utilizados só nos intervalos.
- Colégio Palmares Proibição apenas à sala de aula.
- Colégio Stocco Aparelhos são recolhidos e devolvidos ao final das aulas.
Regras nas redes públicas dos estados
- Rio de Janeiro: Uso em sala de aula fica a cargo das unidades escolares e deve ser exclusivamente para fins pedagógicos.
- Roraima: Lei regulamenta o uso de aparelhos celulares e eletrônicos portáteis como tablets nas escolas estaduais. Cada escola define como será a fiscalização.
- Paraná: Determinou a proibição a estudantes de usar aparelhos eletrônico na sala de aula que não estejam vinculados à aprendizagem.
- Maranhão: Restringe o uso em sala de aula apenas para fins pedagógicas. Escolas devem fazer ações de conscientização sobre quando os aparelhos eletrônicos podem se tornar prejudiciais.
- Distrito Federal: Autorização é decidida pelas equipes gestoras de cada escola.
- Rio Grande do Sul: Ferramentas como Chromebooks e celulares para acesso das plataformas de leitura e do Google Classroom “fazem parte da estrutura de apoio pedagógico”, segundo a Secretaria de Educação.
- Tocantins: Professores orientam os alunos a usarem seus celulares exclusivamente para fins pedagógicos.
- São Paulo: Estado permite o uso em sala de aula “exclusivamente para finalidades pedagógicas”. Na capital, rede pública proíbe para a sala de aula. Professores podem pedir que os alunos usem para atividades pedagógicas.
*Estagiária sob supervisão de Mauricio Xavier