A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro aprovou o relatório final da senadora Eliziane Gama (PSD-MA) com o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 60 pessoas. Com isso, o documento será encaminhado aos órgãos de investigação para que deem continuidade às apurações. Foram 20 votos a favor contra 11.
A aprovação do parecer foi o último ato do colegiado, que chega ao fim após quase cinco meses de trabalho, 17 depoimentos realizados e 648 documentos analisados.
A sessão final teve mais de 7 horas de debates, mudanças de última hora no relatório, presença da deputada Carla Zambelli (PL-RJ) e parlamentares da base defendendo o pedido de indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), enquanto a oposição cobrou a relatora pela não inclusão do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Gonçalves Dias.
Antes do fim da votação, o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) agradeceu a oposição por ter proposta a abertura da CPI, que foi criada a partir de um requerimento do deputado André Fernandes (PL-CE).
O final da sessão refletiu a polarização que marcou toda a CPMI. Do lado esquerda, a base do governo levantou cartazes e gritou “sem anistia”. Do lado direito, a oposição vaiou a senadora Eliziane Gama e bradou “vergonha”.
O presidente da Comissão, deputado Arthur Maia (União-BA), disse que a CPI trouxe a “verdade em praça pública” e fez acenos às Forças Armadas.
—Não teve golpe nesse país porque o Exército disse não. O Exército demonstrou nesse episódio amor pela pátria. O CPF é uma coisa. A instituição é outro. O Exército cumpriu, sim, o seu papel nesse processo— afirmou Maia.
A CPMI pretende encaminhar agora o resultado da investigação parlamentar a oito órgãos diferentes. Além de Bolsonaro, a lista com pedidos de indiciamento inclui o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, o ex-diretor da Polícia Federal Rodoviária (PRF) Silvinei Vasques, os ex-ministros Anderson Torres (Justiça), Walter Braga Netto (Defesa e Casa Civil), Augusto Heleno (GSI), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), além da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP).
Também constam no relatório da senadora o pedido de indiciamento do almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, e do general Marco Antônio Freire Gomes, que chefiou o Exército. Após aprovado, oito órgãos receberão o documento.
O relatório sustenta que Bolsonaro e alguns de seus aliados mais próximos foram diretamente responsáveis pelos atos de 8 de janeiro, quando as sedes dos três Poderes foram invadidas e depredadas, em uma tentativa de ruptura democrática.
O documento aponta que Bolsonaro cometeu quatro crimes: associação criminosa, violência política, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado. Segundo Eliziane, o ex-presidente foi “autor, seja intelectual, seja moral, dos ataques perpetrados contra as instituições”. Bolsonaro disse, em nota, que a proposta de indiciamento é “parcial, tendenciosa e totalmente pavimentada por viés político e não jurídico”.
Para embasar a acusação contra o ex-mandatário, o relatório destaca a informação apresentada à Polícia Federal pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, de que Bolsonaro atuou na elaboração da minuta de um decreto golpista. Cid, que também teve o indiciamento pedido, não se manifestou sobre o relatório.
A relatora cita ainda a inércia do ex-titular do Palácio do Planalto quanto aos acampamentos montados em frente a quartéis, em que os participantes defendiam a intervenção militar.
A última sessão
No início da sessão, a base se reuniu para tirar uma foto e gritar que não haverá anistia contra Bolsonaro e militares.
— Que Bolsonaro não tenha anistia, assim como generais e civis não tiveram anistia nesse relatório da CPMI — disse o deputado Rogerio Correa (PT-MG)
Parlamentares da oposição, por sua vez, acusaram a relatora de “anistiar” o governo Lula pelos atos de 8 de janeiro.
— O governo soube sim que teria um ataque. (…) O senhor Marco Edson Gonçalves Dias foi anistiado, mesmo tendo conciência que aquilo que era de sua responsabilidade. O relatório ignora a verdade — disse o senador Espiridião Amin (PP-SC).
Durante os pronunciamentos, os deputados da base do governo dedicaram os seus votos à ex-presidente Dilma Rousseff, que sofreu um processo de impeachment no Congresso, e à vereadora Marielle Franco, que foi assassinado no Rio de Janeiro.
O deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA) destacou que as penas previstas a Bolsonaro chegam a 29 anos de prisão e que o relatório está “alinhado” com as investigações conduzidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
— Vem denúncia aí. Vem processo aí. Ele [Bolsonaro] já teve indiciamento na CPI da Covid e agora na CPI do golpe. Na próxima ele vai pedir música no Fantástico — disse o parlamentar.
Zambelli
A deputada Carla Zambelli (PL-SP) compareceu pela primeira vez à sessão da CPI. Ela está na lista dos 61 pedidos de indiciamento de Eliziane. Zambelli chegou, cochichou ao ouvido do presidente da comissão e permaneceu de pé, ao lado da mesa diretora do colegiado, até conseguir uma oportunidade de direito de resposta. Ela acabou sendo citada pelo deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), que mencionou o indiciamento de Zambelli.
Ao ter o direito de fala, Zambelli afirmou que em nenhum momento teve o direito de se defender das acusações feitas pela CPMI. Ela reclamou ainda sobre o vazamento de fotos privadas suas, que estavam em seu celular, ao qual o colegiado conseguiu quebra de sigilo.
—Vocês vão responder. A senhora relatora não teve a capacidade de anexar uma prova contra mim—disse Zambelli.