Pela primeira vez, um réu do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes confessou o crime – cinco anos depois. Em um acordo de delação premiada, o ex-PM Élcio de Queiroz narrou detalhes do planejamento e da execução. E o depoimento dele acabou levando à prisão de um ex-bombeiro nesta segunda-feira (24).
A Polícia Federal entrou no condomínio de casas, na Zona Oeste, no início da manhã desta segunda-feira (24) e saiu com o ex-bombeiro preso e algemado. Maxwell Simões Corrêa é acusado de participar do plano para matar a vereadora Marielle Franco, do PSOL, na ação que terminou também na morte do motorista dela, Anderson Gomes.
Maxwell, conhecido como Suel, é amigo de Ronnie Lessa, o ex-PM reformado que está preso, acusado de ter feito os disparos contra Marielle e Anderson. Suel já tinha sido preso por esconder armas de Lessa e por atrapalhar investigações sobre o paradeiro da arma do crime. Foi condenado em 2021 a quatro anos de prisão, mas cumpria a pena em regime aberto.
Agora, a polícia volta até ele por causa da delação de outro acusado. Élcio de Queiroz, ex-policial militar, que está preso acusado de dirigir o carro que perseguiu as vítimas. No depoimento, homologado pela Justiça, Élcio confessou que dirigiu o Cobalt prata usado no ataque e confirmou que foi Ronnie Lessa quem atirou contra a vereadora e o motorista.
Mas Élcio disse que Lessa queria ter executado Marielle antes, em dezembro de 2017, e que, daquela vez, o motorista seria o ex-bombeiro Maxwell.
O Jornal Nacional teve acesso ao vídeo de Élcio de Queiroz, que consta no anexo 2 da delação. Os demais anexos permanecem em sigilo.
“O piloto (inaudível) do carro era o Maxwell, o atirador na frente seria o Ronnie, o outro no banco de trás seria o Edmilson Macalé”, diz Élcio em um trecho da delação.
Élcio contou, na delação, que passou a virada de 2017 para 2018 na casa de Ronnie Lessa, que ele bebeu bastante e começou a desabafar, revoltado, contando que semanas antes tinha ido com Edmilson e o Maxwel para pegar a mulher que estavam monitorando há alguns meses. Entretanto, na hora, Maxwell falou que o carro deu problema e falhou.
“O Ronnie desabafou comigo, dizendo que não acreditava que teve problema, que foi medo, refugou. O Maxwell refugou no momento que queria, e a função dele era dirigir”, conta Élcio.
Edimilson, citado por Élcio, é Edimilson Macalé. Ele diz que Macalé trouxe para Ronnie Lessa a encomenda de matar Marielle.
“Esse trabalho para eles, essa missão para eles foi através do Macalé, que chegou até o Ronnie”, diz Élcio na delação.
Macalé foi executado em 2021. A Polícia Federal afirma que uma das provas de que Élcio, Lessa e Macalé atuavam juntos – e que corroboram a delação – foi o cruzamento de ligações telefônicas feitas entre os três desde outubro de 2017 e, inclusive, depois das mortes de Marielle e Anderson; e que mesmo desistindo de conduzir o carro na primeira tentativa de matar Marielle, a PF diz que Maxwell atuava na vigilância e acompanhamento da vereadora, e dava apoio aos demais participantes.
“Em relação ao Suel, ele indica – o que foi corroborado por provas técnicas – que a participação do Suel remonta os meses de agosto e setembro de 2017 até o exaurimento do crime. Exaurimento do crime, leia-se a ocultação dos instrumentos utilizados na ocasião do crime, como, por exemplo, o veículo Cobalt prata que foi utilizado pelos executores naquela fatídica noite”, afirma o delegado da Polícia Federal Guilhermo Catramby.
Élcio de Queiroz revelou também que foi chamado para participar do assassinato no dia do crime, 14 de março de 2018.
“Foi em torno de meio dia. Aí ele falou: ‘Vai para casa e eu vou te chamar no momento que for’”, diz Élcio na delação.
Ronnie Lessa disse que precisava estar no Centro da cidade até as 19h. Quando chegou na porta da casa, Lessa já estava de pé na porta com uma bolsa na mão. Os dois saíram no carro de Ronnie Lessa e foram para rua atrás do condomínio onde estava parado o Cobalt prata, segundo a investigação, com placas clonadas. Élcio disse que deixou o telefone em modo avião no carro de Lessa, a pedido dele.
No Colbalt, Élcio foi dirigindo e Lessa no banco do carona, indicando o caminho. Dizendo que tinha que chegar nesse local logo, tendo em vista que seria um encontro com várias mulheres e a vereadora Marielle estaria no local. Segundo Élcio, só naquele momento ele soube que o alvo era Marielle Franco.
“Nós estacionamos. Nesse instante, ele para ali e fala o seguinte: ‘Agora você vai precisar me ajudar’. Aí eu não entendi muito bem. Aí ele começou a arriar o banco, deixou totalmente na horizontal para passar para trás, na parte do banco de trás. Eu olho para o retrovisor, ele já estava colocando o casaco, tipo que se equipando, vamos dizer assim, se preparando. Botou o casaco, daqui a pouco ele tira a metralhadora – no caso, a arma do crime -, coloca o silenciador e, nesse momento, até uma coisa assim que eu não esperava, ele pegou um binóculo, e ficou com o binóculo. Dali na hora do momento que ela saiu, ele falou: ‘É ela’”.
Marielle Franco em evento na Casa das Pretas, no Centro do Rio — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução
Câmeras de segurança registraram o momento em que Marielle Franco saiu da Casa das Pretas e entrou no carro onde o motorista Anderson Gomes estava esperando por ela. A assessora Fernanda Chaves também estava no banco de trás. Élcio contou que o carro saiu e ele começou a segui-lo.
“Aí quando eu ia parar no sinal, o carro já tinha passado, e ele viu que era sinal de pedestre e disse para avançar que era de pedestre. E, nesse momento, ele falou: ‘É agora’ e ‘emparelha’. Ele já estava com o vidro aberto e eu só escutei a rajada. Começou a cair umas cápsulas na minha cabeça e no meu pescoço. Quem pensa que silencioso, mas faz um barulho danado”, conta Élcio na delação.
Marielle Franco tinha assumido o cargo de vereadora – em seu primeiro mandato – no ano anterior ao assassinato.
“O crime foi praticado por conta também das causas defendidas por Marielle. Isso permanece nessa denúncia. Isso não exclui outras motivações”, afirma o promotor de justiça Eduardo Moraes Martins.
No acordo que Élcio de Queiroz fez com as autoridades ao se tornar delator, ficou decidido que ele ainda vai cumprir oito anos em regime fechado e não vai mais ser julgado por um júri popular. Segundo investigadores, o que pesou para o ex-PM contar o que sabia foi descobri que tinha sido enganando pelo comparsa.
Ronnie Lessa teria garantido a ele que não fez pesquisas sobre Marielle na internet. Os dois tinham medo de que isso pudesse fazer a polícia chegar ao assassino. Mas os investigadores encontraram registros de busca em um site de crédito, dois dias antes do assassinato.
No dia 12 de março de 2018, Ronnie Lessa pesquisou os CPFs de Marielle Franco e de sua filha Luyara em um banco de dados privado. Lessa encontrou um endereço atrelado aos CPFs e pesquisou no Google Maps para saber onde ficava. Era a casa de Marielle Franco. Os investigadores afirmam que a consulta não ocorreu de forma aleatória, nem estava relacionada ao interesse de Lessa por imóveis, como ele justificou em uma audiência.
“Para começar, a colaboração premiada do Élcio de Queiroz foi calcada primeiro no robustecimento da prova em relação aos executores, sobretudo com a elucidação de que foram realizadas, antes do homicídio, pesquisas pelo Ronnie Lessa do CPF da Marielle e de sua filha Luyara, dois dias antes do crime. Esse fato ainda não tinha sido explorado pela percepção penal. É um fato que foi colhido pelo MP e trabalhado agora em conjunto e quando apresentado ao colaborador, de fato, foi um incentivo para sua colaboração”, explica o delegado da Polícia Federal Guilhermo Catramby.
Élcio disse que a arma utilizada foi uma MP5K e que, segundo Ronnie Lessa, a arma foi do Bope, o Batalhão de Operações Especiais da PM.
Élcio contou na delação que recebia ajuda de Maxwell de R$ 5 mil por mês e que o valor foi sendo reduzido até não receber mais nada há mais de um ano.
“Veio caindo, caindo, chegou a R$ 2 mil, R$ 1,5 mil… E, depois, acabou. Tem quase um ano que não paga nem advogado”, conta Élcio na delação.
Flávio Dino, ministro da Justiça — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução
O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que a delação aponta para o envolvimento de milícias no crime.
“Há a participação de outras pessoas e isso é indiscutível. Os fatos até agora revelados e as novas provas colhidas indicam isto, indicam uma forte vinculação desses homicídios, especialmente da vereadora Marielle, com a atuação das milícias e do crime organizado no Rio de Janeiro. Então, isso é indiscutível. Até onde vai isso? É claro que as novas etapas vão revelar”, afirmou Dino.
“A questão das milícias, esse ambiente criminoso permeia até a origem do próprio Lessa. Lógico que a suspeita existe, mas esse diagnóstico de envolvimento nesse nível e qual exatamente no que tange a todo o contexto do fato criminoso, a gente vai exaurir dessa prova para que possa determinar com certeza, com a certeza necessária, isso aí”, declarou Leandro Almada, superintendente da Polícia Federal.
Faz cinco anos e quatro meses que Marielle e Anderson foram assassinados. A Polícia Federal passou a investigar o caso em fevereiro. Investigadores dizem que a delação de Élcio de Queiroz traz outras revelações sobre o crime – ainda não divulgadas – que vão gerar novas operações. Mas falta responder o principal: quem mandou matar matar Marielle e por quê?
*Com informações G1