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“O OUTRO LADO DO DRAMA IANOMÂMI”:  Saiba o que a velha mídia não mostrou sobre o caso

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Atuação de ONGs sem fiscalização, falta de condições sanitárias, brigas internas na tribo e contato com garimpeiros estimulados pelo ditador Nicolás Maduro

á duas semanas, o brasileiro tem sido bombardeado com imagens chocantes de indígenas da etnia ianomâmi em estado de desnutrição e penúria. Trata-se de um povo que há décadas vive numa imensa área de floresta na fronteira dos Estados de Roraima e Amazonas com a Venezuela. O governo Lula decretou emergência sanitária e impôs uma série de restrições de acesso, inclusive aéreo, ao local. O petista também fez uso político de um problema antigo para alentar um dos principais fetiches da mídia tradicional: o “genocídio indígena” causado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

Depois de a primeira reportagem, com cenas impactantes, ser exibida pelo programa Fantástico, da Rede Globo, dezenas de manchetes monopolizaram jornais e sites sobre um suposto descuido proposital de Bolsonaro com os ianomâmis. Oeste optou por outro caminho: em vez de replicar o conteúdo da Globo, ouviu ex-servidores públicos, representantes de ONGs e lideranças indígenas que conhecem bem a realidade da região. Muitos deles pediram anonimato por medo de represálias, já que o PT chegou ao poder. Uma conclusão é inequívoca: há muitos problemas ocorrendo naquela faixa de terra demarcada. Mas nem todos foram descortinados pela velha mídia.

Um país isolado

Para começar a entender o cenário real da Terra Ianomâmi, é preciso compreender sua demografia e extensão territorial. É uma área de 9,6 milhões de hectares, entre Roraima e Amazonas. Do outro lado da fronteira, são mais 8,2 milhões de hectares. Do que estamos falando? De uma faixa, só no território brasileiro, do tamanho de Portugal. A diferença proporcional é que os ianomâmis somam 30 mil pessoas, e o país europeu tem 11 milhões de habitantes. Metade desses 30 mil indígenas vive numa reserva isolada, chamada de Parque Nacional Parima Tapirapecó, que fica no país vizinho.

Por causa de diversas barreiras legais para proteger os povos indígenas, faltam dados confiáveis sobre estilo de vida, genética, imunidade e condições sanitárias dos ianomâmis. Sabe-se também que são nômades e caçadores.

“São indígenas de recente contato, que não têm certidão de nascimento. Não têm o Rani (Registro Administrativo de Nascimento de Indígena). É muito difícil dizer de onde vêm e para onde vão”, afirmou Marcelo Xavier, ex-presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em entrevista ao programa Oeste Sem Filtro.

Em palestra na cidade de Altamira (PA) na semana passada, o ex-ministro Aldo Rebelo, exímio conhecedor das questões da Amazônia, analisou o tema. Ele comandou a pasta da Defesa e atuou nas comissões temáticas na Câmara dos Deputados. “Essa tragédia dos ianomâmis não é novidade”, disse. “Em 2000, fui a essa área com o general Eduardo Villas Bôas, que era coronel e assessor parlamentar. A moça da ONG, uma jovenzinha, me deixou entrar, mas não o coronel, por ser militar”.

“Você entra nas ocas e vê a fuligem, a fumaça, os índios com as costelas de fora, subnutridos, com tuberculose”, relatou Aldo.

O general Eduardo Villas Bôas, outro especialista em Amazônia, descreveu a situação dos indígenas, em artigo publicado na Edição 147 de Oeste. “Moram em maloca circular, fechada lateralmente por madeira e coberta com palha, em cujo interior as famílias delimitam seu espaço com redes em torno de um fogo”, disse, sobre os ianomâmis da Serra de Surucucu.

“Nesse ambiente, respiram um ar carregado de fumaça, que, associado à inexistência de hábitos de higiene elementares, e submetidos ao clima relativamente frio e úmido peculiar da altitude da Serra de Surucucu, resulta num alto índice de doenças respiratórias, mormente entre as crianças. A expectativa de vida entre aquela população pouco ultrapassa os 30 anos”

Nesse aspecto, parte da responsabilidade pela saúde precária dos indígenas é das ONGs e de antropólogos e acadêmicos, que insistem no isolamento total. Uma criança desnutrida, por exemplo, com tratamento adequado, tem a chance de sobreviver.

O governador de Roraima, Antonio Denarium, foi alvo de ataques histéricos da esquerda — no campo político e nas redações — porque disse que os indígenas almejam o progresso. “Os povos indígenas também têm o desejo de evoluir, ter o seu trator, seu carro, antena parabólica, atendimento de saúde”, disse. “Eles querem educação de boa qualidade. Aqui em Roraima, nós temos indígenas que são médicos, advogados, professores.”

Uma agente de saúde que trabalhou em comunidades ianomâmis disse a Oeste que os jovens chegam a caminhar quatro dias para fazer compras na cidade. “Eles gastavam todo o dinheiro dos alimentos e voltavam para a aldeia só com água oxigenada para clarear os cabelos. Eles queriam o corte do branco, as roupas e os acessórios”, contou.

“Os ianomâmis perguntavam por que ele tem dente e eu não? Também quero”, disse ela, que teme retaliações se seu nome for divulgado. “Viam alguém de óculos, e queriam também”.

Outro dilema grave é o infanticídio indígena. Já na cultura do sacrifício, a criança está predestinada à morte. Há uma série de relatos de bebês que são abandonados pelas mães porque nasceram com deficiências físicas.

Em 2021, o governo Jair Bolsonaro repassou R$ 1 milhão para a construção da Casa de Convivência Comunitária Tradicional, do Projeto Ulu, que acolhe crianças que, de alguma forma, não foram aceitas pela família. O ambiente segue a tradição: uma oca com rede, fogueira, roça e administrada sem a interferência do não indígena. Vinte e duas crianças já foram salvas.

Segundo relatório da Funai, de 2019 a 2021, foram repassados mais de R$ 82 milhões para os ianomâmis — 151% a mais, em comparação aos três anos anteriores.

Renato Sanumá, idealizador da Casa de Convivência Comunitária Tradicional | Foto: Cortesia Projeto Ulu

É uma cena corriqueira na vida de Renato Sanumá, idealizador do projeto, estar na mata caçando e ouvir o choro de uma criança. A menina da foto foi resgatada por ele, quase desfalecida. Agora está saudável e com 8 anos de idade.

Criança resgatada pelo Projeto Ulu. Agora com 8 anos | Foto: Cortesia Projeto Ulu

Esta outra foi adotada pela voluntária do projeto. Abandonada pelos pais, ela não anda e não fala. Aos 5 anos, a cuidadora passa o dia inteiro com a criança no colo.

Essa criança não anda e não fala, mas segue cuidada por uma voluntária do projeto | Foto: Cortesia Projeto Ulu

Garimpo do ditador

Apesar do isolamento da tribo, há contato desde a década de 1970 com garimpeiros que atuam clandestinamente na região — boa parte deles entra pela Venezuela, estimulados pelo ditador Nicolás Maduro. O garimpo no Arco Minerador do Orinoco ocupa uma faixa proporcional a 10% do território venezuelano.

“Naquela região do Rio Orinoco, Maduro autorizou a extração ilegal de minério, inclusive para sustentar o regime dele”, diz Marcelo Xavier. “Isso força naturalmente a expulsão dos indígenas de suas áreas”

O deputado venezuelano Romel Guzamana afirmou a Oeste que alguns dos indígenas desnutridos que apareceram nas fotos divulgadas pela mídia nos últimos dias vivem na Serra de Maigualida, em Manapiare, no país vizinho. Eles teriam cruzado a fronteira em busca de ajuda.

“Maduro aceita que a soberania seja violada e permite que forças irregulares entrem em território indígena venezuelano”, diz. “Existem as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), o ELN (Exército de Libertação Nacional) e grupos islâmicos compartilhados entre o Estado bolivariano e o Estado amazônico.”

Guzamana afirma que o ditador abandonou os povos indígenas e entregou suas terras a forasteiros. “Os garimpeiros estão no sul e no sudeste para extrair ouro.”

(tradução do texto do twitter)

(“Denuncio a grave desnutrição de nossos irmãos indígenas ianomâmis do Estado Bolívar. Cruzaram ao Brasil em busca de comida, outra violação aos direitos humanos indígenas, por culpa do regime de Maduro”, escreveu ele, que é do partido Vontade Popular, o mesmo do líder oposicionista Juan Guaidó)

Em 2020, o Parlamento venezuelano responsabilizou Maduro pela extração ilegal de ouro nos Estados de Delta Amacuro, Bolívar e Amazonas — os dois últimos fazem fronteira com a Região Norte do Brasil. Naquele ano, em entrevista ao jornal espanhol El País, Armando Obdola,  presidente da Associação Kapé Kapé, que luta pelos direitos dos indígenas venezuelanos, disse que a decisão de Maduro em liberar o garimpo resultaria num massacre sem precedentes.

Armando Obdola reportou o caso à Organização das Nações Unidas (ONU), com denúncias de exploração sexual, inclusive infantil, trabalho escravo, crescimento de doenças e danos ambientais em solo venezuelano. A taxa de homicídios saltou para 84 habitantes por ano.

Contato com a cidade e brigas internas

Os povos indígenas reconhecem seu território como coletivo, e não individual — até a chegada do dinheiro. Há vários relatos de conflitos dentro de tribos de etnias diversas, de brigas por causa de dinheiro. Ou seja, quando os recursos públicos são disponibilizados — na maioria dos casos, mensalmente —, os líderes entendem que devem assumir o papel de gerentes.

Os ianomâmis não têm liderança. Frequentemente, uma dos centenas de ONGs da Amazônia atua como intermediária dos recursos repassados pelo governo ou doados por entidades ou pessoas físicas.

Recentemente, segundo relato de moradores de Roraima, houve um racha entre o porta-voz do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), Junior Hekurari — personagem da reportagem da Rede Globo —, e Rômulo Pinheiro Freitas, coordenador regional do Distrito Sanitário Especial Indígena, ligado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

O Condisi é o elo entre os indígenas e a Sesai. É fundamental que os dois trabalhem em conjunto em todas as ações. Para quem acompanhou de perto o caso, foi um dos motivos da atual crise ianomâmi. A razão da briga é desconhecida.

Junior Hekurari | Foto: Reprodução/Fantástico

Outro personagem midiático no caso é Davi Kopenawa, uma liderança de etnia, bastante citado pela imprensa internacional. É ele quem avaliza as decisões de ONGs de esquerda. O tipo de narrativa “progressista” que aparece nas páginas de jornais pelo mundo é bastante conhecido.

Era petista

Em 2007, no segundo mandato de Lula, foi instalada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Subnutrição de Crianças Indígenas na Câmara dos Deputados, para investigar a morte de crianças indígenas por desnutrição no país.

Na época, veio à tona um relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) sobre os casos de violência contra os povos indígenas no Brasil nos últimos dez anos. Foram 287 assassinatos e 407 suicídios, entre 1995 e 2005.

“Proporcionalmente, o número de assassinatos cresceu no governo Lula”, diziam as manchetes da época. “De 1995 a 2002, o mapeamento aponta 20,65 assassinatos por ano. De 2003 a 2005, o índice subiu para 40,67 assassinatos por ano.”

Foto: Reprodução/Câmara dos Deputados
Foto: Reprodução/Câmara dos Deputados
Foto: Reprodução/Instituto Humanitas Unisinos

A ex-presidente Dilma Rousseff chegou a ser declarada inimiga dos índios. Em 2012, em entrevistas, Davi Kopenawa disse: “A Dilma não é amiga do índio. Ela é inimiga. Ela não conhece a nossa floresta, a nossa terra”. E acrescentou: “Ela só conhece o papel, a lei. Mas ela não está enxergando. O pensamento dela é só para destruir o subsolo.”

Desde que assumiu o mandato no Senado, há quatro anos, Plínio Valério (PSDB-AM) tenta instalar uma CPI das ONGs da Amazônia. Diversas entidades teriam recebido verbas para os ianomâmis. A proposta, contudo, não sai do papel, por resistência de políticos de esquerda na região, especialmente do PT.

A lista de questões sobre os ianomâmis é enorme. Vai além das fronteiras brasileiras. As imagens de desnutrição dos ianomâmis, exibidas à exaustão, devem ser investigadas. Lula quis expor o problema crônico ao mundo. Mas por que o PT, afinal, resiste a uma CPI para vasculhar o caminho do dinheiro há duas décadas? A Rede Globo poderia apoiar essa ideia.

Mulheres ianomâmis | Foto: Cortesia Instituto Humanitas Unisinos

*Com informações revistaoeste

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